terça-feira, 21 de abril de 2020

Linha de Passe

Por Pachá

O cotidiano das periferias brasileiras, a luta pela sobrevivência é diária e sem trégua, e o mote para essa adaptação é o movimento, seja pelas ruas como motoboy, pelo coletivo sem destino, no campo de futebol por uma oportunidade ou por uma transformação amparada na subjetividade da fé.

Os personagens de linha de passe, nutrem uma esperança que vai se esvaindo como areia em uma ampulheta na medida em que o choque de realidade despedaça seus sonhos. Cleuza (Sandra Corveloni) é mãe de quatro filhos, cujo os pais não se sabe, mas isso parece incomodar apenas o caçula Reginaldo (Kaique Jesus Santos) que seguindo pistas, vagueia pelos coletivos de São Paulo a procura do suposto pai. Dario (Vinicius de Oliveira) é esperança de Cleuza, bom de bola, ela sonha com um filho craque de futebol. Denis (João Baldasserini) é motoboy e pai não muito presente, e com seus bilhetes da sorte queimados se encontra a mercê de atitudes desesperadas. Dinho (Geraldo Rodrigues) busca o caminho da fé, porém mais por revolta do que convicção.

O cenário caótico da maior metrópole do Brasil, coloca esses atores sociais em conflito a todo instante, seja no trânsito ou nas relações interpessoais, patrão x empregado, esse parece ser o objeto de maior aprofundamento do roteiro, o emprego e a distribuição de renda na percepção de Sales coloca aqueles que negligenciam isso, dentro de seus SUVs ou apartamentos de 200 metros quadrados, como responsáveis e vítimas de cruel ciclo vicioso, pois na rua o Estado não protege nem um nem outro.


A fotografia de Mauro Pinheiro Jr é bela, crua, fria captando com propriedade um mundo hostil onde a beleza é mera figurante. Os movimentos de câmera é muito bem combinado, imprimindo esse movimento pela vida. As cores lembram muito os trabalhos de Miguel Rio Branco em maldicidades.

As atuações são bem trabalhadas, destaques para Sandra Corveloni, João Baldasserini, e Geraldo Rodrigues onde há maior transformação dramáticas, ainda que o diálogo dentro do SUV entre Dinho e sua vítima seja de uma pieguice sem precedente, não tira o brilho da atuação de Baldasserini. Vinicius de Oliveira em mais uma parceria com Sales e Daniela Thomas desenvolve um personagem bem marcado, mas sem muito protagonismo.Geraldo Rodrigues talvez tenha o personagem mais complexo, mais atormentado, como o é todos aqueles que recorrem a fé mercantilista, ele entrega uma convincente atuação. Sandra que foi premiada por esse papel em Cannes, não deixa dúvidas da grande atriz que é, Cleuza é a face da resignação e ao mesmo tempo da resiliência da mulher da periferia. Kaique Santos tem boa participação ainda que estereotipado dentro de um determinismo, assim como os demais personagens em menor ou maior grau, talvez a fuga no coletivo expresse a vontade de mudar tal sina.

Um filme grandioso, com uma ficção encharcada de realidade.



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