quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Menocchio


Por Pachá

O caso de Dominico Scandella, também conhecido como Menocchio, é notável, pois reune vasta documentação do processo inquisitório que levou o moleiro Menochio a fogueira no séc, XVI. Carlo Ginzburg se debruçou sobre esses documentos, investigando não o processo inquisitório em si, mas a cultura popular dominante no recorte geográfico e atores sociais, mais precisamente Menocchio em um exímio estudo de "micro história" que deu origem ao  livro "queijos e vermes" de 1976.

Fasulo capta com virtuosidade a percepção do moleiro, assim como o livro, ele busca o cotidiano, a intimidade e estilo de vida daqueles que ganham atenção da santa inquisição. O próprio Ginzburg escreveu que assim como o inquisidor o historiador busca as mesma coisas, o meio que influenciava o acusado de heresia. Ele também alerta que os documentos da inquisição são tendenciosos, pois trata-se de juízo de valores no qual o acusado corria risco de morte e as confissões eram sempre por meio de torturas.

Menocchio era autodidata, sabia ler e escrever, algo notável para um camponês do séc. XVI, e influenciado pelo movimento das reformas protestantes, o filme não abre essa perspectiva, mas deixa aberto quando se sugere que o fato do vilarejo estar próximo a Veneza recebe visitante de todos os cantos, e consequentemente as mais diversas correntes de pensamentos. O roteiro e produção realizam um ótimo trabalho, com uma narrativa enxuta, alicerçada em pontos chaves do pensamento que levaram o moleiro a fogueira, como a virgindade de Maria mãe de Jesus, da presença de Deus como grande arquiteto da natureza, e não exclusividade da igreja, e também o fato de que para estar em contato com Deus não é preciso ir a igreja ou presença do padre. É tudo tão bem captado e trabalhado no cotidiano do campesinato pela câmera de Fasulo, que também assina a fotografia, que encanta, com enquadramentos, sempre fechados, lembrando as pinturas italianas. Com muitas cenas noturnas, em uma nítida referência ao chiaroscuro do sec. XV.


As atuações tem a correta carga dramática dentro do tema, não há extrapolações ou exageros cênicos para conferir maniqueísmos incorrendo em anacronismos, o que torna o filme bem próxima da obra literária. Mas ainda sim o filme incorre, em minha percepção, em algo que Ginzburg evitou de maneira exemplar, em tentar por meio de um único individuo criar uma síntese de comportamento e imaginário de uma sociedade, Rabelais em "A incredulidade do sec. XVI" de Lucien Febvre teve esse intento, algo que rendeu criticas negativas da historiografia social. O filme de Fasulo parece está mais próximo de Rabelais, e nos sugere que o povoado não só comungava como pensavam igual a Menocchio.



há um cópia completa do filme no youtube

Nenhum comentário:

Postar um comentário