domingo, 22 de novembro de 2020

Dragged Across Concrete

 
Por Pachá

Dragged Across Concrete é daqueles filmes que intrigam, pois a princípio parece um filme policial que falta algo, ação, mas é nessa fissura que o diretor Zahler trabalha sua história, pois a falta de ação é deliberada na medida que há uma grande humanização dos personagens, estes imersos na banalidade do dia-a-dia, como a conversa entre os investigadores, Ridegman (Mel Gibson), Anthony (Vince Vaughn) e seu chefe o tenente Calvert (Don Johnson), em um diálogo que dificilmente se vê em filmes do gênero, e lembra muito Tarantino, mas ao contrário deste Zahler cria seu próprio universo do banal encharcado de detalhes minuciosamente trabalhados com intenção de criar essa estranheza. O próprio cenário, sala do chefe, nem mesmo parece uma delegacia ou coisa que o valha e lembra o escritório de um executivo.


A trama é arrastada, e está centrada na máxima de que merdas acontecem sem aviso, ainda que se tenha todo um esforço para amenizar riscos. Ridegman e Anthony são bons no que fazem, mas com advento dos vídeo com qualidades consideráveis dos celulares, eles são flagrados em uma abordagem nada ortodoxa para obter informação de um traficante,  e por isso são suspensos. E nisso há certa estranheza, pois vemos isso a todo instante em qualquer filme policial americano, mas no universo de Zahler essa atitude não é banalizada, em uma explicita inversão de valores. Exposto o estado das coisas, boa parte do filme é calcada nos dramas pessoais dos dois investigadores, Ridegman com problemas na vizinhança onde mora, e precisando de uma promoção para se mudar. Anthony igualmente necessitado incrementar suas finanças pois está as vésperas de casar, ainda que a noiva não saiba de suas intenções. Ridegman é o exemplo do trabalhador ressentido que justifica suas ações para cometer atos ilícitos como se o mundo lhe devesse algo e ao mesmo tempo uma resignação de não poder mudar as coisas, e quando há possibilidade de se apossar dos ganhos de um bando criminoso, ele destila todo seu descontentamento e raiva da forma como o sistema o trata, logo eles, que já foram condecorados como policias modelos, mas que isso não trouxe o principal, ganhos financeiros, escancarando o self made man e o sonho americano ainda mais quando sua filha sofre bullying no novo bairro. As atuações é um dos pontos altos da trama, principalmente de Mel Gibson e Vince Vaughn, muito embora eu não goste muito deste último, mas parece que ele tem uma parceria com o diretor entregando boas atuações.

A segunda metade do filme, a trama ganha intensidade, vemos o grupo criminosos, impiedosos e bem organizados arquitetando um roubo com Ridegman e Anthony em sua cola, e dai já fica claro que a história tem no imprevisto a força motriz, pois nem mesmo os protagonistas ou telespectadores tem idéia no que isso pode levar os dois. O roteiro é conduzido com precisão cartesiana deixando pouca margem para previsibilidade, tornando inquietante as tramas paralelas, dos investigadores, do ex-presidiário, Biscuit (Tory Kittles) e a aliança imprevisível com investigadores e criminosos. E tamanha é a empatia e humanização dos personagens, que a morte é algo doloroso no filme, outra estranheza para filmes policias, quando isso também é corriqueiro. As cenas dentro do carro forte, são carregadas de tensão prendendo atenção do telespectadores até o desfecho da trama.

Dragged across concrete é um filme que preza pelos detalhes e riqueza de personagens com diálogos inteligentes e uma prova de que um gênero tão explorado pode ter abordagens interessantes ainda que não seja unanimidade para os fans do gênero e com desfecho sem o moralismo de que o crime não compensa.



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