Não sei se é
possível, ou mesmo correto, comparar Hilda Hilst com Bukowski. Mas ao
ler Contos de Escárnio e Textos Grotescos é inevitável não fazer tal paralelo.
Em Hilda o estilo sacana erótico é balanceado por erudição e humor carregado de
escárnio. Em sua narrativa sem pudor, alias, esse é desconstruindo dentro da
premissa de que o pudor é a necessidade de se guardar o que se deve perder,
colocando as mulheres não na visão pejorativa do iluminismo, como escreveu
Denis Diderot (1713-1784) “...as mulheres estariam tão submetidas a seus
impulsos que suas almas – se é que mulher possuía alguma – estariam em suas
vaginas”. Hilda não só demonstra profundo conhecimento dos autores
iluministas que tentaram “entender” as mulheres como, faz troça do mundo
patriarcal das relações, pois enxerga nas mulheres as verdadeiras dominadoras
da arte do sexo... não tem amor, esse acontece apenas como ato de traição, pois
seu alter ego Crasso tem como meta a fruição, um Serafim Ponte Grande, sempre a
procura de conas (vulvas, perseguidas, jóias...), suadas, volumosas e
vibrantes, quanto melhor se letradas forem.
Escrito em 1990 Contos de Escárnio e textos Grotescos quando Hilda há
mais de quatro décadas havia iniciado na poesia onde ganhou notoriedade.
Seus escritos, ficção ou poesia tem bem delimitado a vulgaridade do erotismo, ainda que Manara tenha dito que a diferença entre pornografia e erotismo está no poder aquisitivo de quem consome. Há também nos seus textos certa critica ao sistema politico econômico brasileiro... “[...] uma história pornéia, vamos inventar uma
pornocracia, Brasil meu caro, vamos pombear os passos de Clódia e exaltar a
terra dos pornógrafos, dos pulhas, dos velhacos e dos vis.” (HILST, 1990, p.38). Por vezes esse discurso parece descolado da narrativa,mas logo retoma a veia acida cômica hilariante...
O grotesco nos textos de Hilda fica por conta da relação que Crasso o narrador tem com suas amantes... Josete, Clódia, etc..!
...
pegue aquela grande lupa lá na minha
mesinha.
Lupa?
Lupa, sim, Crassinho.
Então peguei.
faz um favor, benzinho, abra o meu
cu.
como?
oh, Crassinho, como você está ralenti
esta noite
e o que eu faço com a lupa?
a lupa é pra você olhar ao redor
dele.
ao redor do seu cu, Josete?
evidente, Crassinho.
Foi espantoso. Ao redor do buraco de
Josete, tatuadas com infinito esmero e extrema competência estavam três damas
com seus lindos vestidos de babados. Uma delas tinha na cabeça um fino chapéu
de florzinhas e rendas.
não acredito no que estou vendo,
Josete, você tatuou à volta do seu cu pra quê?
homenagem a Pound, Crassinho
mas isso deve ter doído um bocado!
the courageous violent slashing
themselves with knifes ( que quer dizer: os violentos corajosos cortando-se
com facas. Continuação do Canto XV).
coma meu cuzinho, coma meu bem, andiamo,
andiamo (cacoetes de Pound)
Aí achei o cúmulo. "Jamais, meu
amor, machucaria essas lindas damas". Josete começou a chorar.
ó Crasso, você é o primeiro homem a
quem eu mostro esse mimo, essa delicadeza, essa terna homenagem ao meu poeta, andiamo,
andiamo in the great scabrous arse-hole (no grande escabroso olho do cu)
Aí pensei: essa maldita louca vai
começar a choramingar mais alto e o prédio inteiro vai ouvir. Enchi-me de
coragem e estraçalhei-lhe o rabo com inglesas ou americanas (who knows?)
e babados e o chapéu, não naturalmente sem antes lhe tapar a boca, porque tinha
certeza que ela ia zurrar como um asno. Zurrou abafada, mas eu podia discernir
algumas palavras. Ela zurrava: ó (leia-se aou, aou, aou, entonação inglesa) Aou
Ezra, aou my beloved Ezra! Nunca entendi por que Josete quando citava
Pound colocava a entonação inglesa. Também nunca perguntei. Certamente o
nojento era o Shakespeare dela
Nenhum comentário:
Postar um comentário