sábado, 8 de dezembro de 2012

Contos d' Escárnio / Textos Grotescos

Por Pachá

Não sei se é possível, ou mesmo correto, comparar Hilda Hilst com Bukowski.  Mas ao ler Contos de Escárnio e Textos Grotescos é inevitável não fazer tal paralelo. Em Hilda o estilo sacana erótico é balanceado por erudição e humor carregado de escárnio. Em sua narrativa sem pudor, alias, esse é desconstruindo dentro da premissa de que o pudor é a necessidade de se guardar o que se deve perder, colocando as mulheres não na visão pejorativa do iluminismo, como escreveu Denis Diderot (1713-1784) “...as mulheres estariam tão submetidas a seus impulsos que suas almas – se é que mulher possuía alguma – estariam em suas vaginas”. Hilda não só demonstra profundo conhecimento dos autores iluministas que tentaram “entender” as mulheres como, faz troça do mundo patriarcal das relações, pois enxerga nas mulheres as verdadeiras dominadoras da arte do sexo... não tem amor, esse acontece apenas como ato de traição, pois seu alter ego Crasso tem como meta a fruição, um Serafim Ponte Grande, sempre a procura de conas (vulvas, perseguidas, jóias...), suadas, volumosas e vibrantes, quanto melhor se letradas forem.

Escrito em 1990 Contos de Escárnio e textos Grotescos quando Hilda há mais de quatro décadas havia iniciado na poesia onde ganhou notoriedade. 

Seus escritos, ficção ou poesia tem bem delimitado a vulgaridade do erotismo, ainda que Manara tenha dito que a diferença entre pornografia e erotismo está no poder aquisitivo de quem consome. Há também nos seus textos certa critica ao sistema politico econômico brasileiro... “[...] uma história pornéia, vamos inventar uma pornocracia, Brasil meu caro, vamos pombear os passos de Clódia e exaltar a terra dos pornógrafos, dos pulhas, dos velhacos e dos vis.” (HILST, 1990, p.38). Por vezes esse discurso parece descolado da narrativa,mas logo retoma a veia acida cômica hilariante...


O grotesco nos textos de Hilda fica por conta da relação que Crasso o narrador tem com suas amantes... Josete, Clódia, etc..!
...
      pegue aquela grande lupa lá na minha mesinha.
      Lupa?
      Lupa, sim, Crassinho.
      Então peguei.
      faz um favor, benzinho, abra o meu cu.
      como?
      oh, Crassinho, como você está ralenti esta noite
      e o que eu faço com a lupa?
      a lupa é pra você olhar ao redor dele.
      ao redor do seu cu, Josete?
      evidente, Crassinho.
      Foi espantoso. Ao redor do buraco de Josete, tatuadas com infinito esmero e extrema competência estavam três damas com seus lindos vestidos de babados. Uma delas tinha na cabeça um fino chapéu de florzinhas e rendas.
      não acredito no que estou vendo, Josete, você tatuou à volta do seu cu pra quê?
      homenagem a Pound, Crassinho
      mas isso deve ter doído um bocado!
      the courageous violent slashing themselves with knifes ( que quer dizer: os violentos corajosos cortando-se com facas. Continuação do Canto XV).
      coma meu cuzinho, coma meu bem, andiamo, andiamo (cacoetes de Pound)
      Aí achei o cúmulo. "Jamais, meu amor, machucaria essas lindas damas". Josete começou a chorar.
      ó Crasso, você é o primeiro homem a quem eu mostro esse mimo, essa delicadeza, essa terna homenagem ao meu poeta, andiamo, andiamo in the great scabrous arse-hole (no grande escabroso olho do cu)
      Aí pensei: essa maldita louca vai começar a choramingar mais alto e o prédio inteiro vai ouvir. Enchi-me de coragem e estraçalhei-lhe o rabo com inglesas ou americanas (who knows?) e babados e o chapéu, não naturalmente sem antes lhe tapar a boca, porque tinha certeza que ela ia zurrar como um asno. Zurrou abafada, mas eu podia discernir algumas palavras. Ela zurrava: ó (leia-se aou, aou, aou, entonação inglesa) Aou Ezra, aou my beloved Ezra! Nunca entendi por que Josete quando citava Pound colocava a entonação inglesa. Também nunca perguntei. Certamente o nojento era o Shakespeare dela

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