domingo, 2 de dezembro de 2012

Queimada 1969



Por Pachá


Os filmes de Gillo Potencorvo estão imerso de interessante discurso do passado através de cuidadosa analise de fatos históricos. Em Queimada assim como Batalha de Argel fica explicita a necessidade de aproximação da ficção com analise histórica, no qual o passado é revisitado como forma de entender o presente e planejar o futuro. Queimada é sobretudo um filme que escancara as faces do imperialismo (assim como Batalha de Argel), e o fato do filme misturar dois fatos históricos distantes na linha do tempo, nos faz pensar o papel da historia. Potencorvo se apóia na revolução escrava do Haiti e revolução cubana para estabelecer paralelos entre passado e presente e como a negligência do primeiro incorre nos acontecimentos do futuro.

William Walker (Marlon Brando) é um filibuster do império britânico que vai a uma das ilhas caribenhas das Antilhas, para agir em interesse econômicos do Inglaterra. No caso a ilha Queimada em final do séc. XIX produtora de açúcar. Filbuster eram agentes (nada secreto) do governo americano para intervir em países da América Latina em interesse do governo americano,  um exemplo desse tipo de ação preconizada por esse agente é a Nicarágua, onde William Walker um dos mais famoso desse tipo de militar não regular, praticamente tomou o pais ao ajudar os democratas a depor o governo conservador. Em Queimada Walker ajuda, ou melhor fomenta uma guerra civil ao ajudar o escravo José Dolores (Evaristo Marquez não ator contratado na Colombia) a liderar uma rebelião contra o governo português que comandava a ilha. Após depor o governo, William ajuda a montar um governo provisório, claro, onde os interesses da Inglaterra estivessem devidamente assegurados. E nessa articulação entre questões imperialistas e  sociais Potencorvo não se mostra melindrado e expõe de forma aberta essa a falta de escrúpulos de homens e governo em troca de acumulo de capital.

Marlon Brando diz que este foi seu personagem preferido onde está sua melhor atuação, está lá em sua biografia "I did some of my best acting in Burn!", não é pra menos, seu cinismo cênico se encaixa perfeitamente na figura de William Walker e aliado a seu carisma, que é outra qualidade desse ator, dão imenso volume na composição do personagem, que literalmente é o filme. É bom notar que Potencorvo coloca em um mesmo filme personagens e fatos que embora distanciado do tempo, tem como fio condutor o imperialismo que marcou o séc. XIX no qual o mundo estava sendo partilhado, França e Inglaterra com suas posses na Africa e Asia respectivamente, e mais tarde a Alemanha que chegou quando pouco havia para se dividir, dai um dos motivos do primeiro conflito mundial em 1914. Os Americanos distante da Europa tem na América Latina seu quinhão. 



Inicialmente o filme seria sobre uma ilha espanhola de nome Quemada, mas o governo espanhol achou conteúdo indecoroso e Potencorvo opta por fazer as externas em Marrocos e Colombia. Vale lembrar que em 1968, período em que começa a ser rodado, foi um ano de imensos protestos mundo afora que acabou por caracterizar os filmes da década de 70, com imenso teor político suscitando questão de mobilização social e racional acerca do processo de descolonização que se iniciara pós guerra (1939-1945) consolidado com a guerra fria. E nesse sentido Potencorvo se muni de todos os aspectos maniqueísta para caracterizar o imperialismo na figura de William Walker, calculista, manipulador que não sofre por cometer  massacres em nome do progresso e da civilização. A questão social presente no filme é a situação pós-descolonização no qual os países colonizados passavam, dado que a elite local que chegava ao poder mantinha o mesmo status quo de miséria e exclusão social a que o povo sofria no governo colonizador. Outro discurso que estava muito em voga na ideologia política do séc. XX era a consciência de humanidade e igualdade com o homem branco, e branco entenda-se europeu. E tal hegemonia do homem branco (europocentrização) foi quebrado pela vitoria do Japão sobre a Rússia em 1905, em Queimada cujo acontecimentos é anterior a esse conflito nos convida a pensar o papel da historia, colonizado x colonizador. Essa cisão de subalternidade é bem marcada na cena em que William diz a José Dolores que é possível matar um homem branco, que eles sangram e morrem como qualquer ser vivo. Confiante na vitoria contras os soldados brancos, José Dolores  vai contaminar toda ilha, e ai reside outro fato que não é mera coincidência, José Dolores parte de Sierra Madre para revolução de Queimada, assim como Fidel partiu de Sierra Maestra para realizar a revolução cubana em 1959. 

A semelhança entre José Dolores e Toussaint L'Ouverture lider da rebelião escrava do Haiti (1791-1804) contra o julgo francês, não é mera coincidência, é a influencia mais marcante do filme e uma revisão da historiografia que pouco deu importância a essa revolução escondida entre a revolução americana e francesa. 

Com proposta cinematográfica, Queimada é um exemplo de filme produzido nos anos 70 onde o cunho político era o cerne da questão, a preocupação que Truffaut definiu como, o cinema deve cumprir seu objetivo máximo, que é diversão, não fazia parte do roteiro desses filmes. Seja como for, Queimada é um filme de suma importância para entendermos o séc. XIX e a América Latina e principalmente o papel da historia. 

O DVD lançado por aqui tem extras muito pobre, pra dizer o mínimo, ao contrário de Batalha de Argel onde há um disco só com extras.



Para minha supresa, este filme está inteiro no youtube, mas com qualidade para celular ou tablet.





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