quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Sob a Pele


Por Pachá
Em final da década de 70 Bill Mantlo e Al Milgrom criaram o super-herói espacial Rom o Cavaleiro do Espaço, inicialmente “Rom The Space Knight" era um brinquedo que disputava vendas com Falcon. Rom combatia os terríveis espectros, alienígenas transmorfo que estava dominando a Terra se infiltrando nas esferas mais importantes das organizações terrestres. Os alienígenas de Under Skin me trouxe à lembrança as historias de Rom, primeiro pela própria sinopse do filme, não há mistério a ser desvendado, você entra na sala de cinema sabendo do que se trata. Por ter lido livro sob a pele, ao final do filme fiquei com a certeza da semelhança com os espectros de Rom e distância da obra literária que inspirou o diretor inglês Jonathan Glazer que pelo filme de Birth de 2004, no Brasil reencarnação, me pareceu um substituto melhorado de M. Night Shyamalan, sujeito cujos filmes se perde o interesse tão logo tem-se o desfecho do mistério. Birth é quase tão piegas quanto os principais filmes de Shyamalan, com  diferença de ter Nicole Kidman como protagonista. 

Uma moto rasga as estradas dos fiordes escocês, a moto encosta próximo a furgão estacionado. Um sujeito desce da moto adentra escura trilha que leva a um lago ou rio. O sujeito desaparece na escuridão e segundos depois reaparece com um corpo no ombro e o joga dentro de furgão. Um corte e vemos o mesmo motoqueiro retirando motocicleta esportiva do furgão em seguida, uma mulher começa a despir o corpo inerte que o motoqueiro trouxe. Nesta cena, de cenário branco cintilante, lembra THX 1138 os parcos diálogos também remete ao primeiro filme de Lucas. O filme é um livre adaptação do livro under skin publicado em 2000 do escritor alemão Michel Faber que no livro faz critica feroz a industria produtora de carne, matança animal e respectivo consumo. Na historia de Faber o pobre homo sapiens perde o lugar mais alto da cadeia alimentar. A pele humana é iguaria para os excêntricos alienígenas, que usa uma mulher pneumática, como em admirável mundo novo de Huxley, retornarei a este mais adiante, para atrair homens másculos, bombados e solitários para o triste fim ao se tornarem meras sobremesa espacial. O roteiro não fez questão de maiores explicações, e deixa tudo a cargo das imagens, na mais perfeita comunhão com principio de Occam para o qual as pluralidades não devem ser colocadas sem necessidades, no mais harmonioso minimalismo imagético.

As cenas mudas, com trilha sonora por vezes irritante, cria o que virou moda no cinema alternativo, o rótulo sensorial. O cinema por si só já é uma experiência sensorial e mesmo desprovido de um dos sentidos, olfato, ainda sim consegue incitar nossos centros receptores de sensação até mesmo para odores. Outro adjetivo modernoso para filmes pretensiosos, é sinestesia, sensação de natureza diferente, porém com alguma conexão de intimidade ou correlação com outra sensação dispare. Analisando sob esse contexto é de se crer que exista uma formula para filmes obras primas ou extraordinários. Escassos diálogos, trilha sonora experimental, fotografia beirando o documental, câmera na mão. Pouca ou nenhuma explicação dos conflitos e/ou motivações dos personagens principais. E final sinestésico, que no caso  de under skin é uma certa humanização do ET de Glazer ou mesmo um final aberto, de inúmeras possibilidade, e voilá temos um filme com pretensão a obra prima. E mais uma vez sou levado a Rom o cavaleiro espacial em sua luta secreta contra os terríveis espectros que pretendiam dominar a Terra com as armas dos próprios terráqueos, politica, mentiras, economia,  e claro guerras. Me pareceu razoável acreditar que os ETs de Glazer estavam se “ reproduzindo”, pois no início do filme temos apenas um motoqueiro, e após presas abatidas pela isca feminina, os motoqueiros somam quatro easy riders espaciais. Ou talvez em cada canto do globo exista uma célula alienígena fazendo a mesma coisa. E voltando como prometido a Aldous Huxley lembro também de cena em que dois personagem assistem a uma sessão de cinema perceptível.

“Comodamente instalados nas suas poltronas pneumáticas, Lenina e o Selvagem aspiravam e ouviam. Foi então a vez dos olhos e também da pele.

 Ponha as mãos nesses botões metálicos que estão nos braços da sua poltrona - sussurrou Lenina -,pois sem isso não sentirá nenhum dos efeitos do perceptível. O Selvagem fez o que lhe foi indicado. Aquelas letras chamejantes tinham entretanto desaparecido; houve dez segundos de completa escuridão. Depois, repentinamente, deslumbrantes e parecendo incomparavelmente mais sólidas do que teriam sido em autêntica carne e osso, bem mais reais que a realidade, eis que surgiram as imagens estereoscópicas de um negro gigantesco e de uma rapariga braquicéfala Beta-Mais, de cabelos dourados, estreitamente abraçados. O Selvagem sobressaltou-se. Esta sensação nos seus lábios! Ergueu a mão para a levar à boca; o leve roçar dos lábios cessou; voltou a pousar a mão no botão metálico; a sensação recomeçou. O órgão de perfumes, entretanto, exalava almíscar puro. Em tom expirante uma superpomba de cilindro sonoro arrulhou: "U-uh". Efetuando apenas trinta e duas vibrações por segundo, uma voz de baixo, mais que africana pela profundidade, respondeu: "Aa-aah! U-ah! Uh-ah!", os lábios estereoscópicos voltaram a juntar-se e de novo as zonas erotogéneas faciais dos seis mil espectadores do Alhambra titilaram com um prazer galvânico quase intolerável. «Uh ... »

O alienigena de Glazer bem pode ser comparado ao selvagem de admiravel mundo novo. Não sabemos de seus objetivos, mas entendemos de sua experiência sensorial, ou pelo menos é o que nos leva a crer o roteiro.


O grande nome do elenco é Scarlett Johansson e as cenas de nu frontal. O que lembro da Isserley,  personagem do livro, e suas medidas remetiam a uma mulher mignon muito embora algo no seu corpo destoasse da beleza do rosto, incompatibilidade óssea do ET e hospedeiro. Johansson que tem estrutura longilínea sem excessos, foi transformada numa Vênus de Botticelli. Suas falas são curtas, carregadas de incerteza e curiosidade. Seu olhar vagueia a procura de algo além do que seu vítreo olhar enxerga em contradição com indiferença de seus atos. A cena do bebe abandonado na praia, é de uma angustia lancinante ampliada pela sonoplastia insana. E se a intenção era nos colocar na pele do alienígena, o filme falha ou melhor entra em contradição, pois não podemos esperar de outras formas de vidas extra terrestre comportamento semelhante ao nosso, pois a história nos mostra que o etnocentrismo nos impediu de compreender até nos mesmo, que dividimos o mesmo espaço-tempo, mesmo planeta.

Como curiosidade, há participação de Adam Pearson que sofre de neurofibromatosi. Aquele visual não é maquiagem.

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