sábado, 1 de agosto de 2015

Modulação da Realidade


                                      
Por Pachá

Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) certamente não havia se dado conta do que sua descoberta seria capaz de provocar na produção de imagens. A revolução que a fotografia iria causar nas décadas seguinte tão pouco passou pela mente de Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851) que patenteou o invento do colega. Mas qualquer analise nas intenções dos dois inventores é puro anacronismo.


Os pintores renascentistas já se utilizavam de técnicas de projeções óticas e  câmara escura para desenvolver e aperfeiçoar técnicas de pintura conferido realismo quase fotográfico as obras medievais, pois ao contrário de períodos anteriores da idade média, onde as pinturas eram estilizadas sem maiores preocupação com a realidade que cercavam os artistas, pois esta realidade era domínio do divino, as pinturas renascentistas pela primeira vez representavam as pessoas como elas eram.

O casamento de Arnolfini, pintado em óleo sobre madeira por Jan van Eyck em 1434

A pintura, O Casamento de Arnolfini” do pintor renascentistas, flamengo (Holanda) Jan Van Eyck (1390-1441) é um exemplo do realismo alcançado no período, que de acordo com artista e pesquisador David Hockney, esses avanços no realismo da pintura, estão intimamente ligados aos avanços dos estudos da física ótica.

Segundo Hockney, por volta de 1425 alguns artistas utilizavam uma câmara escura rudimentar. A tradicional, que funcionava com lentes, é a precursora da máquina fotográfica moderna sem o filme. Ela consiste em uma lente convergente que projeta uma imagem real invertida sobre a tela. (A imagem projetada é chamada de "real" porque a luz realmente atinge a tela, de um modo muito parecido com que a imagem expõe o filme de uma câmera. O outro tipo, chamado imagem "virtual", ocorre quando a luz apenas parece partir da imagem, como por exemplo no caso do reflexo no espelho.).

Detalhe do quadro O casamento de Arnolfini,

Com a popularização do daguerreotipo a partir dos anos 1840, os estúdios fotográficos pipocaram pelas principais metrópoles da Europa, o mais famoso foi o de Feliz Nadar, considerado o mais importante retratista do sec. XIX.

Victor Hugo retratado por Felix Nadar

Nesse período, como forma de status social, eram comum as nobres famílias possuir o carte de visite que nada mais era do que uma pequena foto de 10 x 6,5cm no qual o possuidor assinava e  se utilizava desse pequeno atributo de luxo como forma de marcar individualidade que possuía a função que hoje é do cartão de visita. Nessa mesma época começa a surgir os primeiros retoques a mão para conferir cor ao carte de visite já que a fotografia da época era monocromática.
Para obter maior realismo, alguns fotógrafos coloriam a mão as fotografias, como neste carte de vsite.

Muito antes de John Knoll e a empresa de George Lucas Light & Magic transformarem o PHOTOSHOP na ferramenta no que é hoje, os retoques já faziam parte do universo dos estúdios de fotografias do sec. XIX  deixando patente o fato de que a manipulação de imagens nunca dependeu da tecnologia. Uma simples escolha de angulo ou enquadramento na composição pode significar uma edição de imagem conforme a intenção do autor e portanto uma forma de traição para com a realidade.

Do ponto de vista filosófico, uma edição pode representar a simulação de um futuro possível e vai de encontro ao conceito ontológico de Roland Barthes para o qual o referente da Fotografia é um reprodução de algo de forma mecânica que não se repetirá existencialmente. Para Barthes a fotografia é sempre, “isto foi”.

Mas alheio as discussões filosófica a cerca da natureza da fotografia, é comum lermos nas redes ou mesmo em conversa sobre o impacto que determinadas imagens causam. A foto esta “fotoshopada” ou se tirar a edição não sobra nada...

Não sou afeito a fotos com intervenções “pesadas” a estilo do que vemos em certos trabalhos de fotografia de moda e publicidade, mas acredito, ainda em Barthes, no olhar de como o “operarador” vai empregar para delinear a realidade do seu universo imaginado, lembrando que quando ele, “operador”, aplicou o peso de seu dedo no disparador da máquina, a foto já estava pronta no seu imaginário, e não necessariamente é o que vai aparecer no negativo ou display da câmera e sim um passo em seu processo de fluxo de trabalho para obter o resultado objetivado, pois assim como os negativos dos filmes, os arquivos RAW precisam e devem ser trabalhados, seja para correção de balanço de branco, e dai conferir as cores sua dinâmica correta, quando assim for, ou mesmo um recorte para melhor enfatizar ou esconder algo.


Fontes:

BARTHES, Roland; A Câmara clara, Nova Fronteira, coleção 50 anos.

SZANIECKI, Barbara, DIAS, Washington, MARTINS Marcos, MONAR Andre; Dispositivo fotografia e contemporaneidade. editora NAU

HOCNEY, David; Óptica e realismo na arte renascentista, artigo SCIENTIFIC AMERICAN Brasil, edição 32, Janeiro 2005

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