domingo, 14 de junho de 2020

Before...sunset, sunrise e midnight



1994


Por Pachá
Em 1995 Linklater lançava Before Sunrise, Antes do Amanhecer, um romance indie, que logo caiu no gosto não só dos amantes do gênero como também de quem não é propriamente afeito a tramas românticas, ao construir uma narrativa sem os clichês açucarados de menino conhece menina, se apaixonam, brigam e depois vivem felizes para sempre. 

O filme é amparado naquele momento em que plantamos expectativas e involuntariamente colhemos autoconhecimento por meio do outro, o momento em que apostamos em um átimo de segundo o para sempre, seja lá quanto tempo isso dure, o momento em que o frio na barriga e tremor nos joelhos marcará os encontros e despedidas. Essa é a premissa de Antes do Amanhecer, quando Jesse (Ethan Hawke) conhece Celine (Julie Delpy) em uma viagem de trem entre Budapeste e Vienna.

O trilho na abertura, tem a mensagem de dizer que viver é uma viagem, e que tudo pode passar muito rápido, tal qual a paisagem vista pela janela de um trem em movimento,  e que os detalhes são realmente o que fazem a diferença. A briga do casal, discutindo em alemão, leva Celine a se sentar junto a Jesse, ambos estão lendo livros, bom notar que em 1995 a internet engatinhava para se fixar em domínio completo de nossas vidas e o celular ainda não tinha uma difusão ampla, pois tinha restrições de alcance, eram os famigerados "tijolões", grandes e nada ergonômico. 

O filme que tem budget razoável, 2,5 milhões de dólares, encanta pelas atuações, um entrosamento por demais convincente entre Delpy e Hawke, com diálogos tão espontâneos que parecem que tudo foi feito ali, na hora em puro improviso e isso se dá pelo fato dos dois atores terem participado do roteiro, no que tange as falas dos personagens, não aparece nos créditos, o que trouxe certa frustração para Delpy que comentou o fato mais tarde. Essa química entre os atores aliada a fotografia de Lee Daniel, criam uma atmosfera documental, já que todo processo de conquista, de conhecer e se mostrar, é captado em movimento enquanto os atores se deslocam pelas ruas de Vienna.


Há em Antes do Amanhecer algumas referências ao romance "Ulisses" de James Joyce, a começar pelo titulo, quando o escritor dublinense esteve na universidade traduziu uma peça do escritor alemão Gerhart Hauptmann cujo título é, Vor Sonnenaufgang, ou Before Sunrise. Uma outra, essa é explicita, a data em que eles, Jesse e Celine se conhecem, 16 de junho. Na obra de Joyce, "Ulisses", todos os eventos ocorrem em 16 de junho de 1904, quando Leopold Bloom conhece Molly Bloom, e até os personagens tem traços em comum, Jesse é um típico americano, engraçado e desajeitado, assim como Leopold Bloom é o típico classe média irlandês, excêntrico e atabalhoado. Molly Bloom é tida como uma mulher fácil, adúltera, Celine deixa claro para Jesse que quis transar com ele a partir do momento que desceram do trem, mas essa parte só é dita na continuação Before Sunset, claro que há nessa analise certo pre conceito, já que as épocas são diferentes.

E como acontece em início de relacionamento, trazemos um passado, e este é objeto de interpretação no mútuo conhecimento, Jesse que se mostra em primeiro momento cético em relação ao amor, vai perdendo essa pretenso descolamento quando Celine descobre que isso na verdade é fruto de um pé na bunda que ele levou. Celine sem pudores vai deixando bem claro para Jesse que ela gosta do conflito, e deixar claro seu pensamento e percepção enquanto mulher em uma sociedade patriarcal e que jamais se sujeitará a um relacionamento submisso. E nisso reside, como foi colocado, a graça do filme, os diálogos são muito aderentes aos personagens de maneira muito verossímil.

O final é muito bem resolvido, em aberto, e como em um conto de fadas contemporâneo, cuja a geração está perdida entre objetivos e sem saber pelo que lutar, nada mais justo do que uma fuga, um escapismo em detrimento do acaso, quando decidem não trocar endereço, telefone, ou mesmo sobrenome por um novo encontro em 6 meses.




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2004

Hemingway escreveu, que para esquecer um grande amor, o melhor remédio é escrever sobre ele. Quase dez anos separa Antes do Amanhecer (Before Sunrise) de Antes do Pôr do Sol (Before Sunset). E a grande pergunta, era, eles transaram ou não? Lembro que antes dessa continuação Before Sunset 2004, em todas conversas, em mesa de bares, sobre cinema na qual se comentava a respeito de Antes de Amanhecer, era imperativo o debate, Jesse e Celine transaram ou não, e sempre dividia opiniões.

O filme abre com ruas e cafés de Paris até entrar na centenária e famosa livraria Shakespeare and Company no qual Jesse (Ethan Hawke) faz leitura de seu romance, que segundo ele, é um pequeno best-seller, e narra aventura de um americano que se apaixona por uma francesa em uma viagem de trem pela Europa. Astutamente o roteiro dá entender, em primeiro momento que eles se encontram, e não deu certo, mas logo é revelado que o encontro que deveria acontecer em 16 de dezembro de 1994, acontece, agora, dez anos depois.


A dinâmica se repete, walk about, eles caminham pelas ruas de Paris enquanto vão se reconhecendo. A fotografia de Lee Daniel mais uma vez cumpre importante papel de conferir fluidez a movimentação dos atores enquanto caminham, que para o espectador parece algo sem muitas complicações, o que foi prontamente rejeitado por Linklater ao dizer em entrevista, que tudo foi tão tediosamente ensaiado e planejado justamente para ganhar essa atmosfera de espontaneidade. E diferente de before sunrise, aqui os créditos do roteiro são devidamente atribuídos a Delpy e Hawke que mais uma vez reptem a sintonia do primeiro filme.

Os personagens, assim como os atores trazem as marcas do tempo, e diferente do primeiro, onde há todo um cuidado para que os diálogos não ganhassem ares pueris, aqui a realidade é mais urgente, retratando o séc. XXI, assim como o tempo que eles tem para esse novo recomeço, em uma nítida alusão a percepção de que as horas ficaram mais elásticas por conta da tecnologia, algo que Jesse havia comentado no primeiro filme, em referência a Domenico Demasi a respeito da tecnologia permitir trabalhar menos e ter mais tempo para o lazer e família, coisa que ele, Jesse também se mantinha cético, em Sunset, ele tem algumas horas para conversar com Celine antes de pegar o avião para NY.

Assim como escrevia Joyce, em seu fluxo de consciência, Linklater parece querer imprimir esse ritmo nos diálogos, e notem, aqui, os personagens andam mais rápido, não aquela indolência do primeiro, onde os passos dados são tão cuidadosos quanto as palavras, característica da insegurança em causar boa impressão. Eles estão mais seguros, já sabem os erros que não devem cometer mas estão dispostos a cometer novos erros.

As amenidades vão se transformando a medida que eles percebem que o tempo está correndo, e colocar todas as cartas na mesa se torna urgente. Jesse é o primeiro a dizer o quanto ele sentiu por ela não ter comparecido ao encontro como combinado, e de como sua vida se tornou medíocre apesar do sucesso que está experimentando como escritor, mas essas lamentações são muito bem trabalhadas pelo roteiro com intuito de evitar impor ao outro culpa pelos infortúnios, um casamento natimorto, um filho que pode sofrer por uma estrutura familiar capenga. E quando chega a vez de Celine, ela desmorona e acaba por se parecer tal qual Jesse a retratou no livro, meio histérica, mas é simplesmente lindo a forma como ela exterioriza suas fraquezas, medos e neuroses pois apesar de tudo, e ai reside a beleza, ela o faz com muita racionalidade e objetividade cartesiana, e uma interpretação memorável de Delpy.

O fato de certa previsibilidade, ao sabermos que eles dessa vez ficarão juntos, não compromete a trama, onde, como vai se dar isso, é o que importa. E mais uma vez o final é bem resolvido, ao som de Nina Simone, Celine diz, você vai perder essa avião baby, o qual Jesse responde, eu sei..





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2013

No terceiro filme, Linklater explorar os desafios, desgastes e todos pormenores das relações longas. Jesse e Celine estão exercitando as pequenas coisas que os mantém juntos, agora eles tem duas filhas, gêmeas, e um filho do primeiro casamento de Jesse e a relação é discutida no último dia de férias, na Grécia. Boa mesa, boas companhias e um lugar carregado de história e o cenário para uma DR (discutir o relacionamento).

Diferente dos filmes anteriores, before midnight tem mais personagens, não só de composição de cenas, mas como parte da história no sentido de sabemos mais sobre o casal que agora está na casa dos 40 anos, o mundo agora importa e todos que de alguma maneira orbitam nossas vidas igualmente. O filme abre com Jesse e seu Filho Henry no aeroporto, uma despedida que parece está pesando muito no ânimo de Jesse que se sente culpado, por estar de alguma maneira sendo responsável por futuros infortúnios de seu filho ao ser um pai pouco presente, o garoto mora em NY e Jesse em Paris com Celine e as gêmeas. 

Desde o inicio do filme, não consegui desvincular os desdobramentos dessa relação, com cenas de um casamento de Bergman, e before midnight se aproxima muito da obra bergminiana quando Jesse e Celine estão no quarto do hotel. Em minha percepção o 3o ato, esse confronto, é a cereja do bolo, diálogos mais uma vez bem delineados, coesos e verossímeis que aliado a sintonia dos atores, proporciona um belo espetáculo, tudo o mais até chegar a esse ponto é um tanto tedioso, mas assim é a vida, assim são os relacionamentos, mesmo quando bem apontado por Jesse, as vezes não percebemos que estamos no paraíso, ele não perde isso de vista, o mesmo parece não acontecer com Celine, mas seus pleitos, reclamações são legítimos, pois ela é quem mais precisou renunciar a projetos pessoas para se dedicar a família, um bordão nas DR, mas ainda sim verdadeiro, e Jesse não nega, mas há um quê de centralizadora na natureza de Celine e ambos sabem, mas Jesse admite que a continua amando assim mesmo, mas Celine vê nisso um argumento machista, como se resolvesse tudo, perdoasse tudo, importante notar que o casal não tem problemas com infidelidades, pois o que está em jogo é muito maior e mais importante do que um boquete ou uma transa sem vida e sem tesão, Celine chegou a comentar sobre isso em before sunset, que os namorados dela eram desprovidos de tesão.


Embora a dinâmica seja a mesma dos filmes anteriores, há aqui elementos que o distancia destes, nos filmes anteriores há um misto de incerteza, no sentido de ter percorrido o caminho pela metade e depois se consumir pela dúvida sobre as glórias de ter chegado ao final, e aqui é impossível não torcer pelos personagens, ambos estão tão certos quanto errados em suas cobranças por uma vida melhor, e uma treta ajuda a colocar as coisas nos eixos quando tudo parece tão certinho que até desconfiamos, creio que esse é um ponto para entendermos o ponto de vista e Celine não que seja gratuita suas reclamações, como se estives sondando a solidez da relação e o que ela pode suportar e ainda sim seguir em frente.

Outro ponto importante é que esse filme não tem muita individualidade, percebemos o esforço do roteiro, mas em minha percepção ele funciona melhor quando já assistimos aos outros, aqui a história pregressa é muito mais latente do que no anterior, before sunset mas não discordo que quem pensa o contrário, isso vai depender muito da subjetividade e afeto com que se encara a trilogia.





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