domingo, 14 de junho de 2020

Sonata de Outono

Por Pachá

"Por não poder odiá-la, meu ódio se transformou em um medo insano"
                                                                                                    Eva

A força do cinema de Bergman reside em como nos defrontamos com as amarguras da vida, como abraçamos o belo e sublime diante das injustiças. Com atuações sempre primorosas e diálogos poderosos Bergman destila sua visão nada otimista do ser humano.

Em Sonata de Outono, a relação de poder entre mãe Charlotte (Ingrid Bergman) e filha Eva (Liv Ullmann), e tão ao extremo que o resultado final transita entre o suicídio ou loucura. O que parecia ser um encontro familiar, aos poucos se transforma em um cabo de guerra, entre afeto, decepção e todo tipo de ressentimento em forma de dolorosa terapia. A sutileza com que Bergman conduz as personagens, e o domínio da palavra criam uma trama com várias camadas que aos poucos vão sendo reveladas tal qual uma fratura exposta.

A instituição familiar é objeto de estudo e critica de Bergman, em seus filmes há sempre questões relacionadas a essa instituição, em Sonata é posto os danos causados por uma família matrifocal, na qual a mãe é figura de referência e também fonte causadora de  vulnerabilidade psíquica, emocional, e assim é Eva que como bem se define, em trecho de livro lido pelo marido Viktor, "se alguém me amar do jeito que sou, talvez eu me arrisque finalmente a olhar para mim mesma", uma pessoa que não sabe amar pois quando mais precisou ser amada, foi rejeitada, abandonada. Os flashbacks são recorrentes para entendermos a estrutura emocional de Eva, e esses são filmados em planos abertos, distantes simbolizando a distancia instalada entre mãe e filha, ao passo que nesse momento ambas estão em close, em quadros tão característicos na fotografia de Sven Nykvist.


“Eu não me atrevia a ser eu mesma, nem quando estava sozinha, porque eu detestava tudo que eu era.”

O primeiro e único trabalho de Ingmar com Ingrid Bergman também sueca se dá já em final de carreira já que o diretor para de filmar em 1982 com Fanny and Alexander, muito embora só venha a falecer em 2007. Ingrid Bergman está muito bem como uma mulher determinada e egocêntrica disposta a sacrificar tudo pela sua carreira de pianista, inclusive a família, algo muito próximo inclusive da história da própria atriz, que nos anos 40 abandona a família para casar com diretor italiano, Roberto Rosselini. Porém o poder do diálogo está com Liv Ullmann, em interpretação poderosa, impossível ficar incólume a sua presença, a sua entrega e como ela transborda suas mágoas e ressentimentos para mãe que destruiu não só a vida de Eva, mas de sua irmã Helena. 

“Eu te amava, mamãe, era uma questão de vida ou morte, mas eu não confiava nas tuas palavras. Elas não expressavam o que os teus olhos diziam. Você tem uma voz linda, mamãe. Quando eu era criança, eu a sentia no meu corpo todo. Mas eu sentia que você não falava de coração. Eu não conseguia entender suas palavras.”

Todo o filme é rodado em espaços reduzidos, há poucas cenas externas, o que lembra muito a dinâmica do teatro, mas a luz, embora não me agrade a iluminação demasiada, sem sombras, confere uma atmosfera de pesar, sofrimento de um passado que quer vir a tona para acertar contas com o presente, percebido logo no primeiro ato, e os excelentes closes se encarregam de conferir a narrativa a linguagem cinematográfica potencializando as excelentes interpretações.

“Você trazia livros pra mim, livros que eu não entendia. Eu lia, lia e lia, para depois discutirmos. Você falava e me dava um branco. Eu tinha medo que você fosse escancarar minha burrice.”

Sonata de Outono é uma obra atemporal, retrata a beleza e a feiura da alma humana dilacerada pelo ressentimento, ódio e o diabo sabe mais o quê. A frase catártica de Eva simboliza tudo isso.

"Pessoas como você são uma ameaça, deviam ser internadas e inócuas"

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