Por Pachá
O trajetória do artista é sempre um percurso tortuoso no qual anda lado a lado com a arte, a morte e o amor. Assim são os dias de Oliverio (Dario Grandinetti), um poeta em seu dilema surrealista para encontrar a mulher que voa.
"pouco me importa se as mulheres tenham seios como magnólias, ou figos secos. Uma pele de pêssego ou papel de lixa. Não dou importância alguma se amanhecem com hálito afrodisíaco ou com hálito de inseticida. Eu sou perfeitamente capaz de suportar um nariz que ganharia o primeiro prêmio em uma exposição de cenouras. Mas há uma coisa, e nisto sou irredutível, e não as perdoo, sob nenhum pretexto, que não possam voar. Se não sabem voar, perdem tempo comigo."
O filme tem nos poemas de Oliverio Girondo, Juan Gelman e Mario Benedetti sua força narrativa, e o próprio Benedetti faz uma participação, como o cliente do cabaré que recita poesia em alemão para uma dona.
Não te salves
Não fiques parado
a beira do caminho,
não congeles o júbilo,
não queiras sem vontade,
não te salves agora
nem nunca
Não te salves
Não te enchas de calma,
não reserves do mundo,
apenas um rincão tranqüilo
não deixes cair as pálpebras
pesadas como juízos,
não fiques sem lábios,
não fiques sem sonhos,
não penses sem sangue,
não te julgues sem tempo.
Mas se
apesar de tudo,
não pode evitar;
e congelas o júbilo,
e queres sem vontade,
e te salvas agora,
e te enches de calma,
e reservas do mundo,
apenas um rincão tranqüilo,
e deixas cair as pálpebras
pesadas como juízos,
e te secas os lábios,
e dormes sem sonho,
e pensas sem sangue,
e te julgas sem tempo,
e ficas parado
à beira do caminho,
e te salvas;
então
não fiques comigo.
Mário Benedetti
Com uma estrutura narrativa atraente, lembrando que o filme é de 1992, e elegante ao encaixar muito bem os poemas e os dilemas de Oliveiro, ainda conta com a constante presença da morte (Nacha Guevara), classificada por Oliverio como uma morte dos medíocres, que por algum motivo se afeiçoa do poeta, que se recusa a arrumar um emprego que sacrifique sua criatividade, prefere vender poesia nos sinais recitando pelo janela dos autos e que para comer, troca poesias por comida em companhia de seus amigos também artistas. Em suas andança ele conhece em um cabaré uruguaio uma prostituta letrada, Ana (Sandra Ballesteros) que confronta o espirito indomável e imaturo de Oliveiro e a partir dai, a vida do poeta ganha outro sentido ou ao menos uma motivação.
A fotografia confere ao drama a angustia do artista, ainda que em seu comportamento cínico e cético com tons e constrastes marcantes em comunhão com cenários desoladores que reflete o caos de uma grande metrópole como Buenos Aires e a precaridade do artista.
As atuações são bem desenvolvidas, mesmo as mais breves presenças, deixando a dupla, Ballesteros e Grandinetti bem a vontade para entregar personagens empáticos em uma história romântica fora dos padrões e clichês e com muita sensualidade latina.
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