sábado, 25 de março de 2017

T2 Trainspotting 2


Por Pachá
Quanto tempo dura uma traição, ou melhor por quanto tempo uma amizade suporta uma traição? A continuação de Trainspotting tem nesse dilema o centro da trama dos quatro (ex) amigos e agrada pelo tom nostálgico, ora pelas lembranças dos protagonistas, ora pela musica que embala os 20 anos que separam essa trama da primeira, e diga-se de passagem que não são musicas necessariamente novas, mas sim novas versões assim como os personagens.  

Simon (Jonny Lee Miller) e Renton (Ewan McGregor), Spud (Ewen Bremner) e Frank "Begbie" (Robert Carlyle) parecem ser a prova de que não há futuro promissor para viciados em heroína, tudo bem o Begbie não é viciado, mas andava com a trupe. Essa é a primeira mensagem de Boyle, mas também rendem bons momentos, e ai há certo olhar idílico para os que sobrevivem ao vicio de drogas pesadas. E como escreveu Sartre "para os sujeitos liquidados a vida ainda outorga inúmeros pequenos prazeres... desde que sejam gozados modestamente".  E Renton parece encarnar esse sujeito liquidado.

O ritmo segue a mesma estrutura do primeiro filme, porém como não poderia deixar de ser, encharcado no saudosismo de um passado "seguro"  desprovido das cobranças de um futuro assombrado pelo presente. Quando se é jovem e viciado, tudo que interesse é próxima dose, como bem explica Renton. E se na primeira parte, há 20 anos,  temos um filme de eventos, em T2 os personagens são o foco em uma trama mais rebuscada, como é de costume nos filmes de gangsters ingleses, já que os dois amigos tentam ingressar no mundo da contravenção. E se o mundo segue em constante mudanças, algumas pessoas não, Begbie é o dono da frase para definir numa síntese os quatro amigos, "O mundo mudou e nós não". A vida  adulta criticada no choose life ganha novo discurso de Renton onde o alvo é a vida liquida e as redes sociais. 

"Escolha facebook, instagram, twitter e torça para alguém em algum lugar se importar...
Escolha ir atrás de antigas paixões desejando ter feito tudo diferente...
Escolha assistir a historia se repetir.."
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Choose Life

O elenco passa leveza de quem se resignou diante das possibilidades desperdiçadas e virou carona da própria vida, e ai, nada melhor que virar turista da própria juventude, e assim Simon Sick Boy define as lembranças de Renton que tenta recuperar algo que nunca teve, o controle da própria vida, e como de costume, o passado por pior que possa parecer é sempre mais acolhedor. Renton é o personagem mais apegado ao passado, talvez seja eco do arrependimento da traição. É dele toda iniciativa de reaproximação do antigo amigo. Spud é o mais devastado pelo vicio, o qual nunca largou mas que se sente seguro ao tentar se afastar da heroína com aparecimento de Renton. Na figura feminina aparece a gatinha, Veronika (Anjela Nedyalkova) como personagem nêmesis  cuja papel na trama é previsível, mas que em momento algum compromete o desenrolar dos eventos. Diane (Kelly Macdonald) que permanece nas minhas lembranças como a garota de olhos cinzas na trila sonora de Temptation do New Order, está em papel discreto como advogada, a personificação da tal choose life, ironizada por Renton logo na abertura do primeiro Trainspotting. Simon é o mesmo escroque só que agora há um estilo de vida a ser mantido, a heroína dá lugar a cocaína, o sustento se dá em pequenos golpes com a cumplicidade de Veronika. Begbie está na prisão e a cada cinco anos vê negado seu pedido de reingresso a sociedade, e dai ele decide fugir. É o mesmo kick-ass e tanta fazer do filho sua imagem e semelhança. mas o guri tem outros planos, e o encontro dos dois não é apenas um choque de geração, mas a leitura do mundo em ebulição, se ajustando, o velho dando lugar ao novo, de novos paradigmas. 


A fotografia de Anthony Dod Mantle cumpre bem a função de criar um presente nostálgico ancorado nas lembranças dos amigos quarentões, e comunga com a trilha sonora com petardos nostálgicos. O esmero no uso das técnica de ângulos de câmeras encanta, como na cena dividida do banheiro, amplificando a tensão narrativa, ou as mudança de perspectiva com uso da câmera mais elevada no primeiro plano, como na cena do pub. A parceria de Anthony Dod com Boyle vem desde 28 Days Later. 2002 É dele a fotografia do ótimo filme Agnus Dei de 1997. 

O filme de Boyle não é original, mas tem propriedade na condução narrativa de um bom entretenimento . E se falta ousadia do primeiro, a culpa é da internet que banalizou tudo, do sexo ao uso de drogas, temas centrais do primeiro filme, que alias é mandatório para acompanhar o segundo E pelo final, é de se esperar uma continuação, talvez daqui a dez anos, quem sabe.




4 comentários:

  1. Boa, rapá! Cê esclareceu o que faltou pra mim. Tinha gostado do filme e mesmo assim tinha uma sensação de algo faltando. Os pontos que vc colocou foram ligados aqui! Abração Lui

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