segunda-feira, 26 de abril de 2021

A Febre

 
Por Pachá

O dilema existencial de um índio tentando se adequar ao mundo dos brancos. O filme de Maya Da-Rin tem encadeamento dos eventos com precisão cirúrgica, e acompanha o cotidiano de Justino (Regis Myrupu), um indígena da etnia Desana. Os obstáculos que Justino precisa vencer todos os dias, vai desde a longa distância de casa ao trabalho, até a necessidade, ainda que implícita, de provar que é um índio de "verdade" quando o colega de trabalho, Wanderlei (Lourinelson Wladimir) insinua que não há mais índios de verdade no Brasil.

A simplicidade com que a diretora aborda o tema também confere elegância a trama que tem um toque sobrenatural ou espécie de maldição para indígenas que de alguma maneira abdicou de sua cultura para se imiscuir no mundo branco, deixando claro que pode-se tirar o índio da floresta, mas não se pode tirar a floresta do índio. E essa premissa permeia todo o longa, seja na relação de Justino com seu ambiente de trabalho, parentes, filho e filha que também vivem na cidade, o que de certa forma prende ainda mais Justino a esse mundo, ou como ele próprio interpreta esse mundo fora da aldeia e de seu povo. E a febre que o persegue é a soma de todo essa inconformidade que ele expressa de forma serena e até resignada abrindo larga via para sua cultura que pulsa latente em seu ser.


A fotografia de Barbara Alvarez é atraente e marca bem os dois universos, indígena e branco, plano fechados quando na casa de Justino e sua filha, e planos mais abertos quando no universo do branco, que em minha percepção, tem o simbolismo de controle que se dá no ambiente no qual ele se sente mais livre com sua cultura.  E de incompreensão, esta marcada pela, a comida de supermercado, a regras de trabalho, o coletivo etc.

O filme tem gerado boas críticas em festivais, sendo premiado no festival de Locarno (Suiça). E sem dúvida o longa tem uma narrativa fluída e inteligente que prende atenção seja pelos conflitos existencial de Justino seja pela questão sobrenatural, e notem que considerar esse conflito do índio que trava uma luta interna como algo sobrenatural já é um etnocentrismo, me dei conta disso ao final, assim como a inteligência do roteiro em trabalha isso de forma bem diluída.

As atuações são sensacionais, especialmente de Regis Myrupu que imprime uma ótima presença de cena, com segurança e sem maneirismos. Vanesa (Rosa Peixoto) é igualmente correta em sua atuação, e o principal motivo pelo qual Justino se prende ao mundo dos brancos.



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