A conclusão que fiquei com o longa é; somos um fracasso enquanto espécie, e tal conclusão é pertinente uma vez que os personagens são reduzidos a condição de animal em seu instinto mais básico, a luta por comida e consequentemente, a sobrevivência em seu estado mais bruto a ponto de suprimir o que nos difere das demais espécies, a racionalidade.
Protagonizado por Ivan Massagué, como Goreng um individuo que por alguma razão quer ser livrar de um vício, o cigarro, decide se submeter a um tratamento pouco ortodoxo, para dizer o mínimo, e o roteiro não explica os motivos mas que também não faz falta, e essa lacuna cumpre bem o propósito que é deixar largas vias para interpretação do filme. E a mais óbvia, é óbvio, é a metáfora dos arranjos sociais em que vivemos passando pela distribuição de alimentos, e principalmente na teoria de justiça segundo Rawls, e o debate entre liberais x comunitaristas, estes críticos dessa teoria. O que é oportuno em meio a polarização politica do planeta. Goreng realiza a trajetória clássica do herói, e como tal, tem aquele que além de antagonista também é um tutor, vivido por Trimagasi (Zorion Eguileor), e os diálogos entre os dois personagens são bem construídos, escondendo mais do que o quê se revela.
O cenário, um prédio com vários níveis pode remeter a estrutura social, onde a ascensão é permitida, mas assim como no vida real, tem suas barreias e obstáculos. Eu fiquei com impressão da Divina Comédia e o inferno de Dante, e creio ser possível encaixar cada personagem, e respectivo nível, em um dos cantos do poema, a que primeiro salta os olhos é a gula, a avareza, no personagem que levou consigo o dinheiro, a usura e os demais pecados capitais que na idade média transformava a carne em danação eterna, e o espírito no caminho para salvação eterna. E a religião é parte de nossa cultura, cuja a mensagem subliminar mais importante é, amai ao próximo com a ti mesmo, mas quando se trata de comer ou ser comido, devore o próximo antes que o próximo seja você. E isso é o que torna o filme muito inteligente em seu roteiro, é a demanda por subjetividade e para várias interpretações.
tecnicamente o filme não tem grandes atrativos, mas imprimi bem a intenção do roteiro, a fotografia preza pelo tom dramático, é um filme de horror com nuances gore, com enquadramentos fechados, são usados muitos closes e com isso se sacrifica o movimento, mas é óbvio que é essa a proposta da fotografia para o tema central. As atuações são corretas, destaque para Zorion Eguleor que encarna um personagens metade dantesco metade dickesniano. É possivel enxergar nele todos os pecados capitais. Massagué faz ótima dupla, mas o filme perde ritmo quando Trimagasi sai das cenas, creio que por isso ele passa a ser uma visão, uma espécie de Virgílio para Goreng, as cenas em que ele não está, joga o filme para o lugar comum.
O final é um tanto xoxo, e em minha percepção tirou todo o mérito do desenvolvimento, pois o primeiro entendimento é de que eles estão mortos, e aquilo é uma espécie de purgatório, é só lembrar que Goreng pode ter morrido devido ao cigarro, Imoguiri (Antonia San Juan) de câncer, Trimagasi sentenciado a morte, até os anos 70 a Espanha tinha pena de morte e assim por diante. A menina que sobrevive aos níveis mais baixos da instalação, é a renovação da fé no ser humano, e o livro Dom Quixote é manutenção da lucidez, da racionalidade mesmo embriagado pela insensata loucura que nos remete a auto extinção quando abandonamos a coletividade, lembrando que só nos desenvolvemos por que nos organizamos em sociedade, e a partir dessa, passamos a controlar nossa pulsão de morte.
Na própria Netflix há um filme muito parecido circle, onde também há quationamento da natureza humana, que vale a pena ser visto, é uma das pérolas escondida na grade.
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