Por Pachá
Com estrutura narrativa amparada na contemplação existencialista, e não quero aqui banalizar o termo existencialista, mas sim entender o posicionamento do diretor Tsai Ming-Liang, em contrapor as necessidade humanas perante um mundo que nos impele a um olhar cada vez mais frio e distante das relações humanas, pois estas cada vez mais são comparadas tal qual mercadorias em um corredor de supermercado, uma coisificação do ser, notem que os personagens não tem nome.
Um pai (Kang-Sheng Lee) luta em Taiwan para sustentar dois filhos (Yi Cheng Lee e Yi Chieh Lee), que por sua vez fazem o mesmo, a cena em que eles perambulam pelos mega e lotados supermercados se alimentando de amostras grátis retrata bem as estratégias adotadas. O trabalho do pai é a própria síntese da precarização do emprego, ele é um desses anúncios vivos, segura placas de anúncios em sinal de trânsito.
Tsai Minh-Liang explora, com exagero até, os longos planos, e sua experiência do teatro experimental, sem dúvida explica essa fixação pela contemplação, onde nada parece acontecer, mas assim como na vida, as coisas acontecem lentamente, o mesmo se dá com os personagens que vão se construindo e se destruindo no devir de uma existência alheia ao sofrimento, o que na narrativa de Tsai é uma espécie de consumação devotamente desejada, o emprego quase desumano, a moradia, a refeição ao ar livre, o banho improvisado em banheiros públicos, é certo que há nisso uma crítica social, das distorções na distribuição de renda em um país rico, mas Tsai parece querer ir além, e ai eu volto com o existencialismo enquanto humanismo, para o qual a essência precede a existência, e ai os enquadramentos abertos, longos e lentos, monótonos, parece gritar, "nós, seres humanos, não fomos concebidos para isso". No contraponto da narrativa, está a empregada do supermercado, que me pareceu um ser que se cansou da resiliência e se entregou a resignação, e uma vida mais simples, e ai vem o tombo, as cenas no interior do apartamento é de uma beleza barroca, com um trabalho de arte majestoso, o apartamento é uma obra inacabada, assim como suas vidas. E o fechamento do filme em uma cena, de um longo plano, em que nada acontece a não ser uma emoção que vai se exteriorizando no rosto da mulher ao encarar um mural onde há uma foto que representando tudo que poderia ter sido, mas não foi, é muito tocante.
É certo que cães errantes (stray dogs) não vai agradar quem não tem paciência para esse tipo de narrativa, e o cinema chinês tem muito disso...
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