Por Pachá
Até meados dos anos 80, Lynch tinha no currículo dois bons filmes, autorais diga-se de passagem, Eraserhead e Elephant man, ambos sucesso de crítica, mas fiasco de bilheteria.
A saga para levar Duna as telas começa no inicio dos anos 70, quando Arthur P. Jacob adquiri os direitos do livro que mais tarde passa para Jean Paul Gibon, que tinha como diretor Jodorowsky, arte a cargo de H.R Ginger e para trilha sonora Pink Floyd e assim criar a atmosfera que Frank Herbert imprimiu no livro. O projeto desandou, Jean Paul Gibon perdeu os direitos da obra, e em 1976 Dino De Laurentis toma frente do projeto, e pretendia entregar o filme para Ridely Scott que por envolvimento em outro projeto, Blade Runner, declinou. O Homem Elefante de Lynch causou boa impressão em Rafaella e Dino De Laurentis que temendo perder os direitos da obra, contrata Lynch que também topa escrever o roteiro.
Lynch e Frank Herbert
Adaptar obra literária para o cinema, é tarefa árdua, e Lynch quando perguntado sobre Duna, ele volta e meia fala sobre dor, angústia e embate com estúdio. E é notório que por guardar as respectivas linguagens, e há nessas as incompatibilidades dos meios, dificilmente um filme vai superar a obra literária no qual foi inspirado, no máximo, há casos de filmes bons inspirados em livros ruins, mas ai é uma outra estória.
Jodorowsky em entrevista disse que Duna é um livro que certamente agradaria Proust, pois é muito literal, a exemplo da obra máxima desse escritor, Em busca do Tempo Perdido, e que é difícil colocar imagens no estilismo fantástico de Herbert. Porém ao contrário de Lynch ele disse que pretende assistir a versão de Villeneuve. Ele também disse que sofreu muito por ter perdido esse projeto. E isso está lá no doc. Duna de Jodorowsky 2013.
O filme de Lynch tem muitos méritos, e um deles é o design de produção, que é assinado por ninguém menos do que Anthony Masters responsável pelo design de 2001 uma Odisséia, e arte de Benjamín Fernández. E tanto é verdade que esses são pontos positivos, que quando analisamos as imagens do trailer do filme de Villeneuve e as de Lynch é notório o quanto a equipe de Lynch foi feliz, ver video shot for shot Dune 1984 Dune 2020. A fotografia vem em seguida, Freddie Francis que trabalhou com Lynch em Homem Elefante, também emprega muito bem as composições nos desertos mexicanos, no qual foi desenvolvido lentes específicas. A fotografia escura para aqueles que representam vida, a casa Atreides sempre com uma luz de cima, trajes seguido o padrão imperialista do imperador Shaddam IV que tem na cor dourada representação da morte, da traição, da pilhagem. A casa Harkonnen representando a poluição, o progresso predatório, a industrialização criminosa, nessa casa Lynch se enxergou, Eraserhead fala um pouco sobre isso em forma de pesadelo, os Harkonnens é o pesadelo desse quadrante do universo.
O embate entre religião e ciência, representado pela ordem Bene Gesserit e os ideias libertadores de Paul Atreide (Kyle MacLanchlan) ainda que carregada de certo maniqueísmo, consegue criar camadas e conflitos interessantes, até onde se estende essa ordem, já que a profecia embora com interpretações diferentes, como por exemplo os Fremens que guardam a água da vida, é compartilhada por outras casas que também disputam a especiaria?
Para quem assisti ao filme Duna nos dias atuais, onde o CGI e Vfx são mandatórios em obras de ficção científica, quase sempre cometem o anacronismo ao ignorar ou desconhecer que o filme de Lynch é pré CGI, tudo ali é de maquetes, miniaturas, sobreposição de imagens o que acaba gerando opiniões do tipo, "nossa os efeitos e as naves são toscos" pois já havia filmado Star Wars, Alien, 2001, mas em defesa de Lynch eu digo que nada comparado com o universo do livro de Frank Herbert, e nesse ponto Lynch é ousado pois tentou algo diferente, não só no visual das naves, mas também nas dobras espaciais, optando por algo mais transcendental, em viajar sem sair do lugar por meio do pó laranja que é a especiaria, e isso não foi muito bem digerido pelo público. A trilha sonora a cargo da banda ToTo confesso que não me agrada, ficou datada justamente pelo fato da banda ser um expoente pop comercial da época, e a cada vez que assisto fico com essa dissonância entre visual e música, que em minha percepção precisava de algo mais dark and soft, a exemplo de blade runner.
As interpretações são outro ponto positivo, um elenco de talento, Duque Leto, Jurgen Procnow que vinha de um filme esplendoroso, Das Boat 1981. Sean Young que estava em Blade Runner 1982 e dominou a cena nos anos 80. Sting com seu visual andrógino psicopata. Max Von Sydow em uma participação pequena, mas nada discreta. Patrick Stewart. Kyle MacLanchlan o estreante que vai firmar parceria com Lynch em outros filmes do diretor.
O filme muitas vezes é uma experiência com intrínseca relação com o momento ou conjuntura em que o vivenciamos ou o qual ele foi concebido, dai é natural aquela sensação ou percepção que o filme envelheceu mal ou bem, no caso de Duna de Lynch eu acredito que está envelhecendo bem, e sempre quando tenho a oportunidade de assisti-lo, vejo o quanto ele é visualmente belo, não das naves, e da batalha, mas dos dramas que desenrola nos palácios, no subterrâneo Fremen, na linguagem fantástica que Lynch transportou e que mesmo sendo de alguma forma negativa, ainda sim funciona.
Lynch já avisou que não pretende assistir a versão de Villeneuve, não por birra ou vaidade, e sim por não estar nem ai para o tema e depois pelo sofrimento que carrega a ponto de rejeitar a direção do filme, e não esconder que Duna 1984 não foi o filme que ele gostaria de fazer.
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