Por Pachá
Quando assisto a filmes nacionais com o esmero de produção, ainda que com certo minimalismo, no mesmo patamar de produções estrangeiras, e nesse caso o benchmarking é o cinema argentino, é de sentir orgulho do cinema nacional. Coloco como foco a produção, pois em termos narrativos nós temos esse domínio e não deixamos a desejar a qualquer país.
Soundtrack é produzido pelo pessoal da 300ml, responsável pelo curta Tarantinos mind que também é estrelado por Selton Mello e seu Jorge. O filme tem o olhar no processo criativo do artista e como se dá a interação deste com o universo a sua volta, ou seja, como afeta e é afetado no sentido de interferência em seu processo e consequências no resultado final de sua arte. O fotógrafo Cris (Selton Mello) consegue emplacar um projeto fotográfico que consiste em realizar selfs na imensidão, ou white out, do Ártico.
Os conflitos que se afloram com a chegada de Cris é um tanto clichê, mas por outro lado há explicita intenção do roteiro de fugir do embate entre ciência e arte, já que Cris está cercado por cientistas, e muito embora isso seja inevitável é muito bem tangenciado, deixando isso como camada a ser trabalhada pelo espectador, enquanto o conflito imediato é do próprio protagonista, ou seja, como ele esta lidando com o ambiente em que se desenvolve sua arte e que arte é essa que ele está desenvolvendo. Primeiro há uma implícita sensação de que Cris não está tão isolado como imaginou ou desejou, e isso já se configura um bom conflito. Seu companheiro de alojamento, Mark (Ralph Ineson) de alguma forma é responsável pela sobrevivência de Cris e que por causa deste Mark não pode passar o natal com a família, um clichê que se justifica para empurrar o drama pra frente. Outro ponto se dá com o choque entre Cris e chinês Huang (Thomas Chaanhing) no qual se dá o mais explicito, clichezão, do embate ciência x arte.
O ambiente ártico foi reproduzindo em estúdio no Rio de Janeiro com chroma key e flocos de neve da mesma empresa que forneceu para a série Game of Thrones. E isso não fere em nada o realismo, mesmo que nos falte aquelas famosas cenas aéreas, a exemplo de Arctic do também brasileiro Joe Penna. A fotografia de Felipe Reinheimer juntamente com color grading ajuda a conferir o ambiente gelado e inóspito.
As atuações estão corretas e funciona em conjunto. Selton Mello a quem prefiro mais atrás das câmeras do que em frente, consegue criar uma personagem com certo apelo dramático, mas fiquei com a percepção de que faltou mais introspeção e uma curva dramática menos flat, mas ainda sim o deslocamento e o vazio que vai consumindo o personagem emprega boa dinâmica a trama. Seu Jorge ficou prejudicado pelo idioma. Ralph Ineson entrega uma atuação quase resignada pelo compromisso familiar e um bom contraponto com Cris.
O desfecho sucinta o debate do sofrimento e precarização do artista. Eu costumo pensar que nem uma obra prima, em seu estado de arte, é concebida em momentos de alegria, de eufórica felicidade, produzir arte em si já é um sofrimento uma vez que, a arte se instala no consciente e subconsciente, consome todo esse ser tonando-se lastro essencial da própria condição existencial e a partir desse ponto, não sobra espaço para mais nada que não seja essa arte. Então, penso que independente da precarização ou não do artista, sempre vai haver algum sofrimento.
Soundtrack é um filme brazuca, para bater no peito e se orgulhar do cinema nacional como indústria, como cinema de entretenimento porém com obras além da diversão barata e pronta.
P/s: Achei que a Orion Pictures havia sido engolida ou falido, mas foi uma nostálgica surpresa vê-la na abertura...
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