domingo, 19 de maio de 2013

Alphaville 1965


Por Pachá
A visão de futuro de Godard está imersa na ideologia fascista com sombras do estilo noir. Lemmy Caution (Eddie Cosntantine) é um detetive durão, vieille école com a misão de destruir o computador alpha 60 que controla toda Alphaville retirando dos seus habitantes todo sentimento. Essa visão com apelo poético surrealista é por vezes (maior parte do filme) maçante, salvo os diálogos que nos lança em reflexões a cerca da influencia da tecnologia nas interrelações sociais, ainda mais nos tempos vindouros de modernidade liquida, basta ver como as pessoas se entregam aos gadgets (tablets, smartphones), no metro, bares, ônibus, restaurantes, filas, trabalho, etc...

Mas o alvo do ataque do discurso político de Godard em Alphaville, além do fascínio exacerbado pela tecnologia, é também a falta de postura ideológica dos que nada fazem perante a opressão de muitos em prol da racionalidade onde, lógica, silencio e prudência mantém a ordem. Baseado ou inspirado em livro de Paul Eluard, Capital da Dor cujo poema é citado. O roteiro de Godard traça um futuro sombrio e cínico no qual toda e qualquer expressão artística é extirpada como um câncer. Comungando do pensamento de Ernst Fischer de que a arte não só tem a função de interpretar a realidade, mas de molda-la. Dai a necessidade de governos fascistas de coibir tais expressões, salvo as imbuídas de culto a personalidade. A todo instante em sua procura pelo criador de alpha 60, professor Van Braun, Lemmy se depara com retrato deste espalhado pelas instituições de Alphaville.

Mas se Alphaville desagrada aqueles que esperam uma ficção cientifica com naves, prédios inteligentes, e todo aparato do gênero que Hollywood criou, enquanto técnica Godard se supera, usando ângulos e estrutura narrativa inovadoras para época, basta reparar na cena em que Lemmy é atacado no quarto de hotel onde não vemos seu algoz, criando inusitado jogo de cena. Ou mesmo a tomada aérea da perseguição automobilística. O flerte com os quadrinhos é visível até mesmo no subtítulo, une étrange aventure de Lemmy Caution e aliada as influencias dos filmes policias B, tanto é que para o cargo do detetive durão ele escala o americano Eddie Cosntantine famoso no mundo dos filmes B. Como par Lemmy tem, na época esposa de Godard, a dinamarquesa Anna Karina como Natascha que percebe em Lemmy sua tabua de salvação, mesmo sem saber do que, pois seus dias são movidos pela falta do que se perdeu, num presente continuo sem qualquer olhar para o passado. E por fim quando ela descobre as palavras são proferidas... Eu te amo!






Poema do livro ‘Capital da Dor’ (1926)
Paul Eluard

Sua voz, seus olhos,
Suas mãos, seus lábios.
Nosso silêncio, nossas palavras.
A luz que vai embora, a luz que volta.
Um único sorriso entre nós.
Por necessidade de saber,
Vi a noite criar o dia,
Sem que mudássemos de aparência.
Oh, bem-amado de todos,
E bem-amado de um só!
Em silêncio, sua boca prometeu ser feliz.
Cada vez mais longe, diz o ódio.
Cada vez mais perto, diz o amor.
Uma carícia leva-nos da nossa infância
Cada vez que vejo a forma humana
Como um diálogo de amantes.
O coração tem uma única boca.
Tudo por acaso.
Todas as palavras ditas inesperadamente.
Os sentimentos à deriva.
Os homens vagueiam pela cidade.
Um olhar, uma palavra
Porque eu te amo
Tudo está em movimento
Basta avançar, para viver,
Seguir adiante em direção aqueles que você ama.
Fui em sua direção, sem parar na direção da luz
Se você sorrir, é para melhor me envolver
Os raios dos seus braços entreabriram a nevoa.

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