Baseado na peça de Nelson Rodrigues o filme tem como pilar a construção e desvio moral do ser humano. A frase inicial dita todo o desenrolar, "o mineiro é solidário apenas no câncer" E o mineiro nesse caso é o ser humano. Edgar (João Miguel) em conversa de mesa de bar com Peixoto (Leon Goes) mergulha na experiência desse dilema ao aceitar estranha proposta de casamento com filha do seu chefe Dr. Werneck, vivido por Gracindo Jr. Nas palavras de Peixoto a coisa é simples, viver como rico, ter dinheiro e adentrar na classe alta carioca. Mas Edgar nutre sentimentos que precisam ser trabalhados com sua vizinha, Ritinha (Leandra Leal).
A adaptação se ampara nos dias atuais, mas não cria convincentes vínculos com a realidade proposta no filme. Os diálogos estão carregados de elipses ou omitindo pequenos detalhes com explicito intuito de maximizar a carga psicológica do final. Um tanto ingênuo dado que a historia é bastante conhecida e já teve duas adaptações no cinema e diversas no teatro.
Goes cria um filme de poucas conexões com os dramas vividos pelos personagens, a mãe cega que enxerga apenas bondade no marido, apesar de todas as provas de canalha que o sujeito, pervertido até o ultimo fio de cabelo, apresenta. Bem como das filhas, igualmente pervertidas. Uma é invisível na trama e casou pelos mesmo motivos que a caçula. A moça correta que se transforma em "putinha", ou que se desvirtuou com a melhor das intenções, salvar a mãe de inquérito administrativo por desaparecimento de dinheiro no trabalho. As contraposições entre bom e mau no filme são confusas ao ponto de nos perguntarmos o que está em jogo nos conflitos dos personagens.
No aspecto interpretações há forte carga dramática, ainda que a veia teatral esteja presente, talvez pela própria estrutura do texto, dos diálogos. João Miguel como de costume em perfeita sintonia com personagem, dando veracidade e profundidade nos conflitos e tensões que o move. Leandra leal correta, mas pouco vera na composição dos personagem. Leticia Colin no papel da bonitinha mas ordinária, Maria Cecilia também não cria os devidos vínculos, muito embora a cena final mostre a capacidade cênica da menina, que tinha então 17 anos quando finalizou o filme, mas que fica muito aquém das ordinárias e bonitinhas de 1964, Odete Lara e Lucelia Santos em 1981. O medalhão do filme Grancindo Jr está perfeito no papel do patriarca canalhão, do empresário desprovido de todo e qualquer escrúpulo para provar que ele não fez do mundo o que ele é, e sim que ele é produto do mundo movido pela máquina de fazer dinheiro, onde tudo se compra, onde todos sabem o preço de tudo e o valor de nada.
Em minha percepção a temporalidade transposta pra tela deveria ir muito além, de colocar o morro no lugar do ferro velho, do cachorrão dar lugar a cadelão. Há também certo distanciamento da linguagem Rodrigueana, em muito pelos distinto momentos políticos, de 1952, auge da guerra fria quando a peça foi escrita e o neo-liberalismo da globalização do sec. XXI. Que pai nos dias vindouros, de conexão frenética (no sentido pleno da palavra), teria preocupação em casar uma filha que perdeu virgindade? A cena do estupro é de um rigor cirúrgico, tudo muito clean, soft, mais lembra os vídeos em HD do redtube ou qualquer que o valha. Esse esmero da produção técnica, fotografia, iluminação acaba por distanciar das ordinárias anteriores. E como disfarce nem vale os devaneios alcóolico de Edgar ao esbravejar que a mulher rica é a única limpa, nem se quer transpira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário