A prosa de Carrero tem um quê do fluxo de consciência da narrativa de Faulkner e Wolf nas memorias de tia Guilhermina. Enquanto ela, tia Guilhermina revive uma Recife hedônica, do frevo, maracatu de carnavais passado o tempo parecer parar, a passagem deste tem sua ação no crescimento de seu sobrinho matricida. Mateus é acusado (preso inclusive) por estuprar e matar a família, mãe e irmã. Além de fundir passado e presente numa narrativa carnavalesca. Carrero disseca os devaneios de tia Guilhermina que se recusa a envelhecer. Que já não sabe se suas memorias são lembranças vividas ou sonhos afogados em dias e noites de solidão e abandono.
Há também, e não podia deixar de ter, o apelo sexual, mas em momento algum esse aparece com tom vulgar, e sim porque a nossa festa, o carnaval, inspira a liberdade ainda que transfigurada de sacanagem. As aflições carnal de Guilhermina pelo sangue de seu sangue, nos banhos com sobrinho cria uma casta relação, mas que parece ou pelo menos o autor nos leva a crer que não dá em nada.
Carrero que também é critico literário tem na narrativa de tangolomango um passeio histórico pelos costumes pernambucanos de carnavais antigos em contraste com o que se tornou a festa nos dias vindouros onde sacanagem está transfigurada de liberdade. Os diálogos não muito presente, no qual o autor opta por dar vazão a reflexões de sua personagem principal, cabendo ao leitor trabalhar questionamentos dentro dessas reflexões, que são dela, Guilhermina, pode por vezes se sentir perdido nas indas e vindas no tempo do personagem. E por isso a leitura cobra um pouco mais do leitor. Em entrevista Carrero disse que o livro é para ser lido em um único suspiro, com inicio na luz do dia e final no adormecer da noite. Que a passagem do tempo, diurno para noturno pauta a narrativa. Concordo que o livro deva ser lido em um único “tiro” mas, discordo quanto aos motivos, a interrupção na leitura, mesmo por algumas horas dificulta a retomada, justamente pela complexidade da estrutura cronologica. Não li o livro em único gole, e sim ao longo de uma semana e senti essa dificuldade. Um ponto dissonante entre a epopeia de tia Guilhermina e desfecho final pode causar maiores estranhamento com expectativa criada, pois esperamos uma tragédia que não acontece. Mas a esse fato depositamos na superação do autor que escreveu o livro ainda em recuperação de um AVC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário