segunda-feira, 24 de junho de 2013

Primavera Tropical - Brasil 2013


Por Pachá
Rio de Janeiro 20 de Junho de 2013
É difícil para maior parte dos brasileiros entender e conceber os acontecimentos das ultimas semanas. Para o publico além mar, é ainda mais complicado, dado que o pais é sempre lembrado como festivo, não pra menos quando nossas instituições pregam que a energia que move a pátria de chuteiras é o carnaval. É sabido, ainda que negligenciado pela maioria dos brasileiros, que o samba, carnaval e futebol agem há décadas como alivio de tensões sociais. E se a seleção é boa, a novela é legal, a vida é mais dura só depois do carnaval. Já cantava Ratos de Porão.

Toda tempestade começa com ignóbil brisa. O gatilho que desencadeou protestos nas principais metrópoles da pátria de chuteiras, parece pouco, acréscimo de vinte centavos nas passagens de transportes públicos. Porém os que já passaram dos 40 anos, certamente dirão... alto lá, já vi esse filme! Quando em 1987 ônibus foram queimados após empresas de transportes realizarem, no mesmo mês, dois aumentos na passagem. Mas porque agora é diferente? Se voltarmos ainda mais no tempo, temos em 1879-80 a revolta do vintém que protestavam contra o aumento do bilhete dos bondes. Há confluência de fatores, mas certamente nenhum determinante. Alguns apontam descaso no gasto do dinheiro público, mas isso não é novidade nem nesse século ou qualquer outro da nossa Historia. O dinheiro público sempre encontrou caminhos e aplicações diferentes da; educação, saúde e segurança, desde tempos imperiais. O básico para desenvolvimento de qualquer nação, nunca esteve no hall das preocupações dos políticos da pátria de chuteiras. As concessões para empresas privadas explorar os serviços públicos, possui sentido pleno, quase perverso  da palavra. Partindo dessa premissa, deveríamos estar protestando desde o fim do regime militar. Há no ambiente político brasileiro, dicotomia extremamente favorável para alargamento do abismo social, onde a corrupção é amplamente amparada na passividade, quase genética, da pátria de chuteiras, sempre em comunhão com a impunidade. A (in) justiça funciona de forma exemplar para 99% da população nos mandos e desmandos dos 1%. Os Saquaremas e Luzias de hoje em nada diferem dos de dois séculos atrás. 

Porque (só) agora? Argumentarão alguns que nossa democracia é recente, nem trintas anos completo. E que o povo deu mostras de manifestação, diretas já, impeachment do Collor. Mas esses foram orquestrados pela oposição, onde o PT era dono da batuta, e o foi em todo movimento de massa do nosso século. E quando este chegou ao poder, nada de novo no front, mais do mesmo foi que se viu. O cômico nessa tragédia, é que hoje o ex-presidente deposto (impeachementado!) que se elegeu com o marketing "caçador de marajás" é aliado do mesmo sujeito que movimentou milhares com a campanha "quem roubar vai pra cadeia". Este mesmo sujeito, eleito e re-eleito teve em seu governo um dos maiores ou senão o maior escândalo de corrupção do pais, e descaradamente disse pra toda nação que nada sabia dessa mega-ladroagem de aproximadamente 1 bilhão de reais roubados dos cofres públicos e que teve como juiz investigador o “caçador de marajás”. Tal descaramento já valia invasão do senado. E diante deste, o caso PC Farias é fichinha. E que hoje, o escândalo do mensalão é tratado pelos lideres desse mesmo PT como obra ficcionista da oposição, e que eles, PT, instalarão CPI para apurar essa fraude (sic!). Porém uma coisa é certa, é o escândalo mais bem documentado de todos os já perpetrados contra a nação. A rigor o réu de ontem toma lugar do juiz investigador de hoje e vice-versa  Os avanços sociais alcançados pelo atual governo e anteriores é mais marketing do que ação política. Os acontecimentos dos últimos dias tem, ainda que inconsciente, desmistificar essa propaganda política de que o pais vai bem. A sexta economia mundial, a pátria de chuteiras é uma extensa faixa de terra, miserável e para poucos. Palco de três grandes eventos, o momento é propicio pois o mundo todo tem os olhos voltado para o Brasil. Novo milagre econômico (primeiro entre as décadas 60 e 70), saldo positivo da balança comercial. Mas não podemos nos enganar, esse crescimento a longo prazo não é sustentável, pois historicamente nenhum pais desenvolvido o fez exportando commodities, estes oscilam na representatividade do balanço comercial entre 35% a 40% de nossas exportações. Em contrapartida importamos produtos de maior valor agregado.

As manifestações não tem bandeira, a panfletagem é virtual e viral das redes sociais. Os gritos raivosos misturados ao oba-oba característico de quem está acostumado a ir pra rua apenas para comemorar nossa tríade sagrada, samba-carnaval-futebol decide abandonar o estado de letargia. Como acordado de profundo transe multidões se aglomeram nos marcos de suas respectivas metrópoles e marcham com seus cartazes... "Foda-se a seleção, eu quero educação", "Sem Violência", "Policial seu juramento é com a Pátria e não com governos ladrões", "Ronaldo quando seu filho adoecer, leve-o ao maracanã", "+ pão + saúde e - circo"..."Fora Cabral", Dudu Vai tomar no cú", "PEC-37 não!", ”professor desejo a você o salario de um deputado e o prestigio de um jogador de futebol”...  Se é verdade que um milhão de moscas não podem estar erradas, comer merda é bom. No Brasil a única coisa que não muda é a merda, já as moscas de colarinho... sempre bem nutridas. A marcha encerra em vinte centavos, décadas de repressão, violência social e todo descaso politico no trato com a nação? Argumento difícil dirá alguns, dado que a média etária dos participantes provavelmente ronda a casa dos trinta anos. E se por um lado essa geração dos anos 90 não tenha as marcas de dias mais duros e lutas das gerações passadas 60 e 70, por outro atesta seu senso de justiça, consciência de insatisfação e mudança. Dirão também que a maioria presente é desprovida de consciência e/ou ideais políticos. Mas o campesinato francês o era? O mujique russo também era imbuído de tais ideaisDespautério, dirão com tais comparações. Porém o desconforto de milhões é motivo que precede qualquer ideologia politica. E hoje na modernidade liquida, qualquer insatisfação, sentimento é rapidamente compartilhado com dezenas de milhares de ombros e ouvido virtuais rede a fora, do curtiu ou não curtiu. Simples, objetivo. E se dentro dessa mesma modernidade liquida a tecnologia encurta distancias geográficas ao mesmo passo que distancia as pessoas, ela cunha o sloganvem pra rua, vem”. O mundo virtual das redes ficou pequeno para exteriorizar desconforto, insatisfação. É preciso uma rua, uma avenida, uma praça onde todos possam cantar juntos o hino nacional. Escutar suas próprias vozes misturadas a outras milhares que logo são milhão em uníssono, Cabral vai tomar no cú", “amanhã vai ser maior”.

A mídia quase sempre desprovida de maiores senso de discernimento ou mesmo conhecimento (ou esquecimento) da historia de seu próprio pais, é a primeira a incorrer em juízo de valores. A imparcialidade de quem deve registrar os fatos fica apenas no discurso editorial. A palavra democracia é proferida por repórteres e jornalistas com tantos sentidos, que nos leva  a refletir sobre  seu real sentido. Para os repórteres da pátria de chuteiras, o protesto democrático é legitimo quando acompanhado de tambores, pandeiros, sorriso no rosto. “esta é a forma descontraída do carioca protestar” dizem alguns jornalistas, ou ficar parado acenando cartazes e bandeiras, em contraste com atos de irresponsabilidade dos invisíveis da sociedade. Logo taxados de vândalos. Mudemos a Historia e rotulemos de vândalos os que mataram milhares nas várias revoltas e revoluções do séc. XVIII durante processo de derrubada do antigo regime ou mesmo os russos que na sua revolução (já no século XX) mataram milhões para derrubar o czarismo. Acreditar que colocar mais de um milhão de pessoas nas ruas e nada vai acontecer, nada vai ser depredado, nada vai ser saqueado é duma ingenuidade incurável. É desse medo que surgem mudanças do contrário reina a impunidade ou então é carnaval, o que dá no mesmo. Essas pessoas (irresponsáveis) são mais vitimas que culpados, são produto do descaso politico que enraizou nas profundezas do consciente popular de que na politica só há ladroagem, maracutai, e se eles, os políticos roubam, porque não eu? E assim a pátria de chuteiras molda seus princípios, ético e moral. E na pátria de chuteiras ninguém está imune ao “jeitinho brasileiro”.

Para a mídia é irrelevante que o protesto de quinta feira enquanto se dirigia ao prédio da prefeitura estava em ato democrático, e cai em desordem quando entra em cena o batalhão de choque. Estes com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo empurra pelas duas pistas da Av. Presidente Vargas mais de um milhão de pessoas, nessa volta os mais exaltados tem como desforra o patrimônio publico e privado. As diversa viaturas da PM espalhadas em ruas da mesma avenida, sem maiores ação apenas assistia aos xingamentos, dos que passavam em direção a Av. Rio Branco. E mesmo quando em ato de pura covardia um manifestante atira pedra em policial que estava de costas, a PM apenas rechaçou o grupo sem apelar para maiores atos de violência, mas a essa altura a multidão já estava dispersa e os PMs em pequeno numero. Andei da central do Brasil, de onde desci do metro para me juntar a manifestação, e para dizer que não vi um repórter, vi e filmei equipe de jornalistas, provavelmente alguma TV além mar. Arriscaria a BBC dado forte sotaque britânico. O que me espanta é a rapidez com que repórteres de TV traçam apressados comentário e julgamentos da situação, apenas com as imagens aéreas dos helicópteros. Os confrontos e esses são inevitáveis nestas situações, partiram sempre do batalhão de choque. Perfeitamente compreensivo uma vez que estão em menor numero. Talvez explique, embora não justifique o quebra-quebra na dispersão. O Estado, outorgado a aplicar força (violência) para manter a ordem, deveria ser conhecedor irrestrito de importante lei da física, toda ação gera reação de igual ou maior intensidade. Dai é fácil entender os gritos de “amanhã vai ser maior”. O protesto ganha no calor da emoção, ares de vingança. Pois a dignidade nesse momento recusa a ofensa impunemente. Somos empurrados Presidente Vargas abaixo em direção a Candelária.

Testemunho ocular...
De orgulho ferido (eu estava) a multidão, não tão coesa (mau ocupava meia pista da Rio Branco), ganha a larga avenida aos gritos de ir para ALERJ. Olho pra trás. O que vejo me leva a questionar cadê o mundo de gente que preenchia em toda extensão as duas pistas da Presidente Vargas? Enquanto caminhávamos como em saída de show, nem parece que a menos de uma hora atrás “brigávamos” com choque. Os dois andares de vitrine do McDonald causa certo desconforto, pessoas comem alheia ao que ocorreu a poucos quilômetros dali. Um manifestante tenta quebrar painel de vidro de ponto de ônibus, mas a multidão se exalta e grita com veemência, NÃO. O sujeito desiste. No cruzamento com Almirante Barroso quase somos atropelados por motoristas assustados. Gritos surgem para tomarmos o centro da avenida, e constato uma vez mais que estamos com grande ausência de efetivo. Na Cinelândia ocupamos escadarias da câmara municipal. O grupo vai aumentando com manifestantes que chegam de outras ruas, principalmente da Treze de Maio pela Uruguaiana e largo de São Francisco em fuga da Presidente Vargas. Logo a praça é tomada por numero considerável de manifestantes, mas ainda sim, nada que lembre o inicio do protesto. O hino nacional é entoado mais uma vez, seguido pelos costumeiros, “foda-se e vai tomar no cu” aos nossos odiados governador e prefeito da cidade maravilhosa. Uma dona gostosa, em indumentária nada propicia para ocasião surge com faixa de impeachment do Cabral. Ela saca caderno, caneta e começa coletar assinaturas dos manifestantes. Destemida, vejo-a tomar frente quando choque lança as primeiras bombas, mas logo recua com olhos em lágrimas. Nem bem acabo de lançar assinatura, percebo exaltação da turma em gritos de, “huu covardes”, “filhos da puta” também. E o choque já bloqueia Rio Branco com Evaristo da Veiga. Não é muito lembrar que nessa mesma rua existe quartel da PM, a poucos metros da câmara municipal. Estava claro que por ali não poderíamos seguir. Não demora, o choque aumenta lançamento de bombas de efeito moral e gás. Riu do paradoxo, nos pagamos estas bombas. A multidão se municia do que encontra pela frente no contra-ataque. As pedras portuguesas da calçada logo se tornam ótima opção. Obvio que não resistiríamos uma fração sequer do que foi na tentativa de chegar ao prédio da prefeitura. E  passado pouco mais de vinte minutos, já estávamos  nos dispersando pelas ruas do Centro. Em companhia do que julguei ser o maior grupo, seguimos em direção a Lapa. Pelo meio do caminho presencie os atos que jornalistas tem como vandalismo (acredito que é apenas ódio e invisibilidade contidas), manifestantes mais radicais consegue escancarar uma das portas das lojas americanas (prédio da antiga Mesbla). Vejo pessoas saírem com televisores, aparelhos de som e ganhar as já tumultuadas ruas da Lapa. No pipoco vejo também um manifestante acusar um outro de estar se aproveitando da situação e roubar carteiras. Uma pequena multidão se forma ao redor do suposto ladrão, o mesmo esboça choro. O multidão quer linchá-lo e só não o faz porque o choque esta no encalço do grupo. Na Men de Sá os bares abrigam turistas, boêmios, yupies. Todos igualmente sem se dar conta do que esta acontecendo a poucos metros. E quando o choque ganha a rua instala desespero dos fregueses para se abrigar e donos dos estabelecimentos para fechar portas. A essa altura já não havia grandes aglomerações de manifestantes, apenas grupos isolados. Sozinho, me abrigo em um dos bares. Alguém chega gritando que jogaram bomba de gás dentro do circo voador, onde está rolando show do canibal corpse. As pessoas me adverte que eles estão batendo em quem está na rua. Incrédulo, ocupo única mesa da calçada. Estava decidido, beberia uma cerveja ali mesmo. Mas por insistência do garçom ganho interior do bar. Estes ameaçam fechar porta. Insisto que isso é estupidez, pois o gás vai entrar de qualquer maneira e com ambiente fechado demora dissipar. Os clientes que já estavam alojados, insistem para fechar. Voto vencido, só me restou risinho de satisfação ao ver sofrimento dos ignorantes, que em prova cabal de burrice se mantinha de pé na neblina lacrimogênia que dominava ambiente. Eu, o único sentado!

Quando as portas do bar foram abertas. Constatei com certo dissabor que a manifestação havia acabado. O choque de forma "comportada" estava plantada em formação no meio da Men de Sá. Fotógrafos de plantão aproveitaram pra registros. Outros xingavam, mas nada parecia tirar atenção ou mesmo desfazer formação do choque. Olhei bem aquelas caras, que estavam sem capacetes e mascaras. Infelizes que no comprimento do dever arriscam a vida pra ganhar pedaço de pão todo fudido, como na musica de Science. Vitimas de uma máquina que aprisiona e castra todo poder de discernimento. Esta luta também é deles. E se do nosso lado há os “vândalos” do lado deles há os sádicos que só não torturam por falta de tempo. Esperei eles deixarem as ruas, de repente respirar o mesmo ar que eles me enojou, me revirou as tripas e leve dor de cabeça. 


“Viva Zapata, viva Sandino, Antônio Conselheiro. Todos os Panteras Negras, Zumbi, Lampião sua imagem e semelhança. Eles também lutaram e cantaram um dia...”
Science

“Que nossos governantes (ladrões) agonizem em noites intermináveis de pesadelo...”
Zero-Quatro






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