Por Pachá
Rio de Janeiro 20 de
Junho de 2013
É
difícil para maior parte dos brasileiros entender e conceber os acontecimentos
das ultimas semanas. Para o publico além mar, é ainda mais complicado, dado que
o pais é sempre lembrado como festivo, não pra menos quando nossas instituições
pregam que a energia que move a pátria de chuteiras é o carnaval. É sabido,
ainda que negligenciado pela maioria dos brasileiros, que o samba, carnaval e
futebol agem há décadas como alivio de tensões sociais. E se a seleção é boa, a
novela é legal, a vida é mais dura só depois do carnaval. Já cantava Ratos de
Porão.
Toda
tempestade começa com ignóbil brisa. O gatilho que desencadeou protestos nas
principais metrópoles da pátria de chuteiras, parece pouco, acréscimo de vinte
centavos nas passagens de transportes públicos. Porém os que já passaram dos 40
anos, certamente dirão... alto lá, já vi esse filme! Quando em 1987 ônibus
foram queimados após empresas de transportes realizarem, no mesmo mês, dois
aumentos na passagem. Mas porque agora é diferente? Se voltarmos ainda mais no tempo, temos em 1879-80 a revolta do vintém que protestavam contra o aumento do bilhete dos bondes. Há confluência de fatores,
mas certamente nenhum determinante. Alguns apontam descaso no gasto do dinheiro
público, mas isso não é novidade nem nesse século ou qualquer outro da nossa Historia. O dinheiro público sempre
encontrou caminhos e aplicações diferentes da; educação, saúde e segurança,
desde tempos imperiais. O básico para desenvolvimento de qualquer nação, nunca
esteve no hall das preocupações dos políticos da pátria de chuteiras.
As concessões para empresas privadas explorar os serviços públicos,
possui sentido pleno, quase perverso da palavra. Partindo dessa
premissa, deveríamos estar protestando desde o fim do regime militar.
Há no ambiente político brasileiro, dicotomia extremamente favorável para
alargamento do abismo social, onde a corrupção é amplamente amparada na
passividade, quase genética, da pátria de chuteiras, sempre em comunhão com a
impunidade. A (in) justiça funciona de forma exemplar para 99% da população nos
mandos e desmandos dos 1%. Os Saquaremas e Luzias de
hoje em nada diferem dos de dois séculos atrás.
Porque
(só) agora? Argumentarão alguns que nossa democracia é recente, nem trintas
anos completo. E que o povo deu mostras de manifestação, diretas já, impeachment
do Collor. Mas esses foram orquestrados pela oposição, onde o PT era dono da
batuta, e o foi em todo movimento de massa do nosso século. E quando este
chegou ao poder, nada de novo no front, mais do mesmo foi que se viu.
O cômico nessa tragédia, é que hoje o ex-presidente deposto (impeachementado!) que se elegeu com o marketing
"caçador de marajás" é aliado do mesmo sujeito que movimentou
milhares com a campanha "quem roubar vai pra cadeia". Este mesmo
sujeito, eleito e re-eleito teve em seu governo um dos maiores ou senão o
maior escândalo de corrupção do pais, e descaradamente disse pra toda
nação que nada sabia dessa mega-ladroagem de aproximadamente
1 bilhão de reais roubados dos cofres públicos e que teve como
juiz investigador o “caçador de marajás”. Tal descaramento já valia invasão do
senado. E diante deste, o caso PC Farias é fichinha. E que hoje,
o escândalo do mensalão é tratado pelos lideres desse mesmo PT como
obra ficcionista da oposição, e que eles, PT, instalarão CPI para apurar essa
fraude (sic!). Porém uma coisa é certa, é o escândalo mais bem
documentado de todos os já perpetrados contra a nação. A rigor
o réu de ontem toma lugar do juiz investigador de hoje e
vice-versa Os avanços sociais alcançados pelo atual governo e anteriores é mais marketing
do que ação política. Os acontecimentos dos últimos dias tem,
ainda que inconsciente, desmistificar essa
propaganda política de que o pais vai bem. A sexta economia mundial,
a pátria de chuteiras é uma extensa faixa de terra, miserável e para poucos.
Palco de três grandes eventos, o momento é propicio pois o mundo todo
tem os olhos voltado para o Brasil. Novo milagre econômico (primeiro entre as décadas 60 e 70), saldo positivo da balança comercial. Mas não podemos nos
enganar, esse crescimento a longo prazo não é sustentável, pois historicamente
nenhum pais desenvolvido o fez exportando commodities, estes oscilam
na representatividade do balanço comercial entre 35% a 40% de nossas
exportações. Em contrapartida importamos produtos de maior valor agregado.
As manifestações não tem bandeira, a panfletagem é virtual e viral das
redes sociais. Os gritos raivosos misturados ao oba-oba característico de
quem está acostumado a ir pra rua apenas para comemorar
nossa tríade sagrada, samba-carnaval-futebol decide abandonar o
estado de letargia. Como acordado de profundo transe multidões
se aglomeram nos marcos de suas respectivas metrópoles e marcham
com seus cartazes... "Foda-se a seleção, eu quero educação",
"Sem Violência", "Policial seu juramento é com a Pátria e não
com governos ladrões", "Ronaldo quando seu filho adoecer, leve-o ao
maracanã", "+ pão + saúde e - circo"..."Fora
Cabral", Dudu Vai tomar no cú", "PEC-37 não!", ”professor
desejo a você o salario de um deputado e o prestigio de um jogador de futebol”...
Se é verdade que um milhão de moscas não podem estar erradas, comer
merda é bom. No Brasil a única coisa que não muda é a merda, já as moscas de colarinho...
sempre bem nutridas. A marcha encerra em vinte centavos, décadas de repressão, violência social e todo descaso politico no trato com a nação? Argumento
difícil dirá alguns, dado que a média etária dos participantes provavelmente ronda a
casa dos trinta anos. E se por um lado essa geração dos anos 90 não tenha as
marcas de dias mais duros e lutas das gerações passadas 60 e 70, por outro
atesta seu senso de justiça, consciência de insatisfação e mudança. Dirão
também que a maioria presente é desprovida de consciência e/ou ideais políticos.
Mas o campesinato francês o era? O mujique russo também era imbuído de tais ideais? Despautério, dirão com tais comparações. Porém o desconforto de milhões é motivo que precede qualquer ideologia
politica. E hoje na modernidade liquida, qualquer insatisfação, sentimento é
rapidamente compartilhado com dezenas de milhares de ombros e ouvido virtuais
rede a fora, do curtiu ou não curtiu. Simples, objetivo. E se dentro dessa
mesma modernidade liquida a tecnologia encurta distancias geográficas ao mesmo
passo que distancia as pessoas, ela cunha o slogan “vem pra rua, vem”.
O mundo virtual das redes ficou pequeno para exteriorizar desconforto, insatisfação. É preciso uma rua, uma avenida, uma praça onde todos possam cantar juntos o
hino nacional. Escutar suas próprias vozes misturadas a outras milhares que logo
são milhão em uníssono, “Cabral vai tomar no cú", “amanhã vai ser maior”.
A mídia quase sempre desprovida de maiores senso de discernimento ou
mesmo conhecimento (ou esquecimento) da historia de seu próprio pais, é a
primeira a incorrer em juízo de valores. A imparcialidade de quem deve
registrar os fatos fica apenas no discurso editorial. A palavra democracia é
proferida por repórteres e jornalistas com tantos sentidos, que nos leva a refletir sobre seu real sentido. Para os repórteres da pátria
de chuteiras, o protesto democrático é legitimo quando acompanhado de tambores,
pandeiros, sorriso no rosto. “esta é a forma descontraída do carioca protestar” dizem alguns jornalistas, ou ficar
parado acenando cartazes e bandeiras, em contraste com atos de
irresponsabilidade dos invisíveis da sociedade. Logo taxados de vândalos.
Mudemos a Historia e rotulemos de vândalos os que mataram milhares nas várias revoltas e revoluções do séc. XVIII durante processo de derrubada do antigo regime ou mesmo
os russos que na sua revolução (já no século XX) mataram milhões para derrubar
o czarismo. Acreditar que colocar mais de um milhão de pessoas nas ruas e nada
vai acontecer, nada vai ser depredado, nada vai ser saqueado é duma ingenuidade
incurável. É desse medo que surgem mudanças do contrário reina a impunidade ou
então é carnaval, o que dá no mesmo. Essas pessoas (irresponsáveis) são mais
vitimas que culpados, são produto do descaso politico que enraizou nas
profundezas do consciente popular de que na politica só há ladroagem, maracutai, e se
eles, os políticos roubam, porque não eu? E assim a pátria de chuteiras molda
seus princípios, ético e moral. E na pátria de chuteiras ninguém está imune ao
“jeitinho brasileiro”.
Para a mídia é irrelevante que o protesto de quinta feira enquanto se
dirigia ao prédio da prefeitura estava em ato democrático, e cai em desordem
quando entra em cena o batalhão de choque. Estes com bombas de efeito moral,
gás lacrimogêneo empurra pelas duas pistas da Av. Presidente Vargas mais de um
milhão de pessoas, nessa volta os mais exaltados tem como desforra o patrimônio
publico e privado. As diversa viaturas da PM espalhadas em ruas da mesma
avenida, sem maiores ação apenas assistia aos xingamentos, dos que passavam em
direção a Av. Rio Branco. E mesmo quando em ato de pura covardia um
manifestante atira pedra em policial que estava de costas, a PM apenas rechaçou o grupo
sem apelar para maiores atos de violência, mas a essa altura a multidão já
estava dispersa e os PMs em pequeno numero. Andei da central do Brasil, de onde
desci do metro para me juntar a manifestação, e para dizer que não vi um
repórter, vi e filmei equipe de jornalistas, provavelmente alguma TV além mar. Arriscaria a BBC dado forte sotaque britânico.
O que me espanta é a rapidez com que repórteres de TV traçam apressados
comentário e julgamentos da situação, apenas com as imagens aéreas dos
helicópteros. Os confrontos e esses são inevitáveis nestas situações, partiram
sempre do batalhão de choque. Perfeitamente compreensivo uma vez que estão em
menor numero. Talvez explique, embora não justifique o quebra-quebra na
dispersão. O Estado, outorgado a aplicar força (violência) para manter a ordem,
deveria ser conhecedor irrestrito de importante lei da física, toda ação gera
reação de igual ou maior intensidade. Dai é fácil entender os gritos de “amanhã vai ser maior”. O protesto ganha
no calor da emoção, ares de vingança. Pois a dignidade nesse momento recusa a
ofensa impunemente. Somos empurrados Presidente Vargas abaixo em direção a
Candelária.
Testemunho ocular...
De orgulho ferido (eu estava) a multidão, não tão coesa (mau ocupava
meia pista da Rio Branco), ganha a larga avenida aos gritos de ir para ALERJ.
Olho pra trás. O que vejo me leva a questionar cadê o mundo de gente que
preenchia em toda extensão as duas pistas da Presidente Vargas? Enquanto
caminhávamos como em saída de show, nem parece que a menos de uma hora atrás “brigávamos” com
choque. Os dois andares de vitrine do McDonald causa certo desconforto,
pessoas comem alheia ao que ocorreu a poucos quilômetros dali. Um manifestante
tenta quebrar painel de vidro de ponto de ônibus, mas a multidão se exalta e
grita com veemência, NÃO. O sujeito desiste. No cruzamento com Almirante
Barroso quase somos atropelados por motoristas assustados. Gritos surgem para
tomarmos o centro da avenida, e constato uma vez mais que estamos com grande
ausência de efetivo. Na Cinelândia ocupamos escadarias da câmara municipal.
O grupo vai aumentando com manifestantes que chegam de outras ruas,
principalmente da Treze de Maio pela Uruguaiana e largo de São Francisco em
fuga da Presidente Vargas. Logo a praça é tomada por numero considerável de manifestantes, mas ainda
sim, nada que lembre o inicio do protesto. O hino nacional é entoado
mais uma vez, seguido pelos costumeiros, “foda-se
e vai tomar no cu” aos nossos odiados governador e prefeito da cidade
maravilhosa. Uma dona gostosa, em indumentária nada propicia para ocasião surge com
faixa de impeachment do Cabral. Ela saca caderno, caneta e começa coletar
assinaturas dos manifestantes. Destemida, vejo-a tomar frente quando choque
lança as primeiras bombas, mas logo recua com olhos em lágrimas. Nem bem acabo de
lançar assinatura, percebo exaltação da turma em gritos de, “huu covardes”, “filhos da puta” também. E o choque já bloqueia Rio Branco com
Evaristo da Veiga. Não é muito lembrar que nessa mesma rua existe quartel da
PM, a poucos metros da câmara municipal. Estava claro que por ali não
poderíamos seguir. Não demora, o choque aumenta lançamento de bombas de efeito moral e
gás. Riu do paradoxo, nos pagamos estas bombas. A multidão se municia do que encontra pela frente no contra-ataque. As pedras
portuguesas da calçada logo se tornam ótima opção. Obvio que não resistiríamos uma fração sequer do que foi na tentativa de chegar ao prédio da prefeitura. E passado pouco mais de vinte minutos, já estávamos nos dispersando pelas ruas do
Centro. Em companhia do que julguei ser o maior grupo, seguimos em direção a
Lapa. Pelo meio do caminho presencie os atos que jornalistas tem como
vandalismo (acredito que é apenas ódio e invisibilidade contidas),
manifestantes mais radicais consegue escancarar uma das portas das lojas
americanas (prédio da antiga Mesbla). Vejo pessoas saírem com televisores,
aparelhos de som e ganhar as já tumultuadas ruas da Lapa. No pipoco vejo
também um manifestante acusar um outro de estar se aproveitando da situação e
roubar carteiras. Uma pequena multidão se forma ao redor do suposto ladrão, o
mesmo esboça choro. O multidão quer linchá-lo e só não o faz porque o choque
esta no encalço do grupo. Na Men de Sá os bares abrigam turistas, boêmios, yupies. Todos igualmente sem se dar conta do que esta acontecendo a poucos
metros. E quando o choque ganha a rua instala desespero dos fregueses para se
abrigar e donos dos estabelecimentos para fechar portas. A essa altura já não havia grandes aglomerações de manifestantes, apenas grupos isolados. Sozinho, me abrigo em um dos bares. Alguém
chega gritando que jogaram bomba de gás dentro do circo voador, onde está
rolando show do canibal corpse. As
pessoas me adverte que eles estão batendo em quem está na rua. Incrédulo,
ocupo única mesa da calçada. Estava decidido, beberia uma cerveja
ali mesmo. Mas por insistência do garçom ganho interior do bar. Estes ameaçam
fechar porta. Insisto que isso é estupidez, pois o gás vai entrar de qualquer
maneira e com ambiente fechado demora dissipar. Os clientes que já estavam
alojados, insistem para fechar. Voto vencido, só me restou risinho de
satisfação ao ver sofrimento dos ignorantes, que em prova cabal de burrice se
mantinha de pé na neblina lacrimogênia que dominava ambiente. Eu, o único
sentado!
Quando as portas do bar foram abertas. Constatei com certo dissabor que a manifestação
havia acabado. O choque de forma "comportada" estava plantada em formação no meio da Men de
Sá. Fotógrafos de plantão aproveitaram pra registros. Outros xingavam, mas nada
parecia tirar atenção ou mesmo desfazer formação do choque. Olhei bem aquelas caras, que estavam sem
capacetes e mascaras. Infelizes que no comprimento do dever arriscam a vida pra
ganhar pedaço de pão todo fudido,
como na musica de Science. Vitimas de uma máquina que aprisiona e castra todo
poder de discernimento. Esta luta também é deles. E se do nosso lado há os “vândalos”
do lado deles há os sádicos que só não torturam por falta de tempo. Esperei
eles deixarem as ruas, de repente respirar o mesmo ar que eles me enojou, me
revirou as tripas e leve dor de cabeça.
“Viva Zapata, viva Sandino, Antônio
Conselheiro. Todos os Panteras Negras, Zumbi, Lampião sua imagem e semelhança.
Eles também lutaram e cantaram um dia...”
Science
“Que nossos governantes (ladrões)
agonizem em noites intermináveis de pesadelo...”
Zero-Quatro
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