Por Pachá
Desistir de tudo simplesmente por não ter vontade para nada requer determinação e egoísmo homérico, mas isso tem nome e diagnostico conhecido. Travis (Harry Dean Stanton) perdeu os lastros que sustenta o sentido da vida, ao menos para mim, foi essa a sensação as primeiras cenas de Paris, Texas. As vastas paisagens desérticas e quase sem vida na qual é apresentado o personagem é intrigante e desoladora.
O roteiro escrito por Sam Shepard é desenvolvido no modo lento, denso e repleto de perguntas cujas respostas vão estruturar a trajetória de Travis, um sujeito que vaga pelo deserto do Texas. Seu irmão Walt (Dean Stockwell) recebe uma ligação sobre Travis que está sem dar notícias a quatro anos. E a partir dai vamos descobrindo em doses homeopáticas os personagens e seus conflitos. Embora o roteiro tenha o estilo do dramaturgo americano Shepard, mas quem literalmente dá cores ao drama é o alemão Wenders com seu olhar estrangeiro sobre o american dream algo que ele já tinha ensaiado em Alice in the Cities 1974.
A fotografia de Robby Muller é exuberante, em cores, em composições melancolicamente trabalhadas em uma comunhão extasiante com os personagens, basta ver quando entra em cena Hunter (Hunter Carson) filho de Travis que agora vive com Walt e Anne (Auroe Clément) que torna o conflito de Travis ainda mais complexo, já que o roteiro vai aos pouco montando o quebra cabeça que é a ruptura familiar que colocou, pai, mãe e filho em caminhos opostos. As atuações são impecáveis, não há um só personagem que não tenha profundidade, volume, com destaque para Harry Stanton e Dean Stockwell que protagonizam ótimas cenas, mas o clímax vem nos diálogos de Jane (Nastassja Kinski) que entra em cena após mais de 50 minutos de filme, mas protagoniza umas das DRs mais tocantes e lindas do cinema, quando em uma cabine de peep show, na qual apenas o cliente vê a performance enquanto conversa pelo telefone.
Ao longo da história vemos Travis de poucas palavras, corroído por culpa, raiva ou sabe-se mais o quê, e quando ele reencontra seu filho, Hunter de 7 anos, há um desejo, ainda que disfarçado de transformação que ocorre quando os dois finalmente se acertam como pai e filho, e nessa parceria também há ótimos diálogos e uma interpretação impressionante de Hunter e quando os dois partem juntos para encontrar a mãe, Jane a partir de um pista nada sólida, a relação dos dois cresce.
Paris, Texas é um road movie com várias camadas na qual a principal é a busca de redenção, identidade de um individuo que esqueceu o que é ser um ser social e seu retorno ao convívio social ao mesmo tempo que tenta fechar feridas, que ele sabe que não se fecharão, o desfecho é a prova.
Paris, Texas é a obra prima de Wenders que enxerga uma América colorida, vasta, triste e irremediavelmente corrompida por valores individuais. Um filme que traz a marca do tempo mas extremamente atual no que tange as relações interpessoais e como estas tratam os conflitos.
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