domingo, 21 de junho de 2020

A infância de Ivan

Por Pachá


Baseado em um conto de Vladimir Bogomolov no qual retrata o empenho e desejo de vingança de um garoto, Ivan (Nikolay Burlyaev) que tem a infância abruptamente interrompida pela guerra. 


Tarkovski não era o diretor inicial para o projeto do estúdio MOSFILM, que tinha a intenção de realizar esse filme muito aderente a obra literária, que possui um cunho intensamente belicoso. Incialmente entregue a Mikhail Papava, um roteirista que havia emplacada algumas obras, não agradou o estúdio que então entregou o projeto para Tarkovski ficando Papava e Bogomolov com o roteiro, que ainda sim foi inteiramente alterado, pois Tarkovski empregou uma leitura mais humana ao roteiro.

Com planos e movimento de câmeras belíssimos, a narrativa trata sobretudo da "eterna" luta entre homem e natureza, o conflito entre homens, no caso a II Guerra Mundial, tem como maior vítima, além dos próprios humanos, a natureza que assim como uma criança é pura e desprovida de ímpetos destrutivos, as cenas inicias de Ivan quase fundido a uma teia de aranha e depois passeando pelas árvores, em minha percepção, cria essa alegoria.


Nas passagens oníricas de Ivan, percebemos de onde vem seu desejo de vingança e a necessidade, imposta pelo conflito, para pular etapas da infância caindo direto na fase adulta. Ivan é uma espécie de espião mirim, que por vontade própria, vai pra trás das linhas inimigas para obter informação do exército alemão e ao retornar, cai nas graças de um Quartel General.

A fotografia de Vadim Yusov, que mais tarde vai fotografar Solaris, é muito bem trabalhada no sentido de captar, em enquadramento que são uma aula de composição, a hostilidade desse mundo em que Ivan transita. Em seu primeiro trabalho para MOSFILM, que ditava praticamente todo trabalho cinematográfico soviético da época, interferindo, censurando, ainda sim Tarkovski consegue imprimir uma estética que vai marcar a fase do cinema poético soviético, estética essa que não agradou ao estúdio e nem ao escritor Bogomolov que assim como a MOSFILM acreditava que o filme seria de difícil compreensão, para o público, por conter cenas de sonhos realizando apenas por transições na própria câmera. Algo muito parecido vimos no Brasil com vestido de Noiva de 1943, peça de Nelson Rodrigues, que se acreditava que seria impossível realizar tal narrativa, de regressão e flashbacks nos palcos.

O fato é que Tarkovski consegue emplacar sua narrativa, com pegada mais humana em detrimento do enfoque militar que esperava a MOSFILM e Bogolomov...isso por si só já dá mostras de porque Tarkovski é considerado um dos maiores diretores de todos os tempos, influenciando diretores como Bergman por exemplo. Essa estética do experimentalismo vai marcar seus filmes seguintes, sempre criando um embate entre homem e natureza, seja essa natural ou esculpida pelo homem.

Um das cenas mais belas, do ponto de vista da fotografia, é também uma das que menos aderência tem com a narrativa, a cena do beijo, Masha (Valentina Malyavina), está prestes a ter seu primeiro flerte, e primeiro beijo, é tão surreal, que parece até um sonho, mas que capta essa fusão, nem sempre benéfica, do homem com a natureza, e como o primeiro parece sempre "vencer".

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