quinta-feira, 7 de março de 2013

A Margem

Por Pachá
É inegável o fato de que a tecnologia super-8 proporcionou uma nova estética cinematográfica e principalmente possibilitando filmar com baixos orçamentos. No Brasil a popularização desse formato deu origem nos anos 60 ao movimento do cinema marginal. E o filme de Ozualdo Candeia A Margem é um dos precursores desse movimento. De poucos diálogos o filme se ampara nas imagens de certa comunidade a margem de um rio. A historia é carregada de ironia e provocações na metáfora dos que vivem a margem do rio e esquecidos pelo Estado.  Os personagens sem nomes e de poucas falas explorando e sendo explorados pelo próximo, igualmente miseráveis, vivem no limite da cidadania, onde o que os tornam humanos é a necessidade de sobrevivência pura e crua. As criticas a certas instituições é notável; igreja, trabalho, casamento etc. e o que sobra é o produto indesejável do capitalismo.

Pouca coisa altera rotina da comunidade, nem mesmo o barco que traz sinistra passageira. Tão logo o barco alcança margem, somos lançados no cotidiano dos habitantes. Sem candura ou exageros Ozualdo passeia com sua lente pelas mazelas do local, barracos de papelão e tabuas, escombros e a condição sub-humana a que estão sujeitos seus moradores. O uso da câmera subjetiva, ou em primeira pessoa também favorece atmosfera de miséria e falta de esperança e cria intrigante jogo quando essa câmera se alterna entre os personagens.

As atuações são imparciais e não há sobreposição de um ou outro personagem. Na primeira parte mergulhamos no cotidiano da margem através de casal que acabou de descobrir amor e um louco, cuja procura por alma gêmea, certamente o levou a loucura. Nessa primeira parte a narrativa é mais forte na medida em que há maior carga dramática da interação dos personagens e completo descarte do obvio, o que não acontece na segunda parte, onde há desenho da tragédia iminente.

Como pano de fundo da miséria sem limite dos personagens, há espaço para amor. O amor que enlouquece, mata e para Ozualdo não muda nada, pois a realidade engole a existência e trucida sonhos. No olhar de Ozualdo onde a câmera não embeleza nem filtra o que se vê. Tem-se natureza crua daqueles que estão mortos pela ausência de vida. A morte em vida onde o que impede da completa aniquilação é a ignorância de compreender condição. A metáfora que encerra o dilema, não só dos personagens da Margem, mas também de todo ser vivo, é justamente o limite que há entre a vida e a morte, esta ultima como abrandamento das agruras de uma vida miserável e comprovação de que tudo que vive tem a morte latente em si. E o final que coroa todo misticismo da personagem que chega no pequeno barco, completa quando carrega pra longe da margem os personagens, mortos que continuam a desconhecer sua condição.

Poucos diretores brasileiros gozaram de tão aclamada e cultuada estréia no cinema, a ponto de comparar A Margem a Cidadão Kane de Welles. Exagero ou não o filme de estréia de Ozualdo intriga, seja pela técnica ou pela estética do olhar.



A Margem (1967)
O Acordo (1968), parte da Trilogia do Terror de José Mojica Marins
Meu Nome É Tonho (1969)
A Herança (1970-1971), baseado em Hamlet de Shakespeare
Caçada Sangrenta (1973)
A Opção (1981), conhecido também como As Rosas da Estrada
Manelão, o Caçador de Orelhas (1982)
A Freira e a Tortura (1983), adaptação da peça de Jorge Andrade
As Belas da Billings (1987)
O Vigilante (1992)

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