O conjunto de contos de Rubem Fonseca tem profundo apego existencialista, e a coleira que prende o cão, dentro da metáfora existencial é nada mais do que o rastro de interação do individuo com outro e o mundo a sua volta, que também pode ser uma grande prisão na condição humana. Nas oito historias Fonseca capta com grande intensidade o peso de estar vivo.
A inspiração vem de temas simples, na sua grande maioria o cotidiano, mas como esse tema é apresentado para o leitor é que faz grande diferença, tornando coleira do cão um dos livros mais importantes da literatura brasileira, atual na abordagem de temas universal, com narrativa concisa e contundente, mesmo depois de quase cinquenta anos de seu lançamento em 1965 que também marcou a carreira de Rubem Fonseca lhe conferindo título de grande escritor. É bem verdade que ele escreveu pouca coisa que se aproximasse de coleira do cão, até porque ele se dedicou mais as longas narrações do que aos contos.
O primeiro dos oito contos é profundo como um corte cirugico cuja dor apenas fica na lembrança de que sabemos que o aço que rasga pele dói. Força humana é assim, trabalha como uma grande infecção instalada em nossa entranhas e que no momento oportuno toma todo organismo de assalto. Confesso que ao final do conto senti vontade de largar o livro de lado, pois não acreditaria que algo tão bom pudesse se repetir no mesmo livro...
"...Fiquei de repente calado e sentindo a coisa que me dá de vez em
quando, nas ocasiões em que os dias ficam compridos e isso começa de
manhã quando acordo sentindo uma aporrinhação enorme e penso que depois
de tomar banho passa, depois de tomar café passa, depois de fazer
ginástica passa, depois do dia passar passa, mas não passa e chega a
noite e estou na mesma, sem querer mulher ou cinema, e no dia seguinte
também não acabou. Já fiquei uma semana assim, deixei crescer a barba e
olhava as pessoas, não como se olha um automóvel, mas perguntando, quem
é?, quem é?, quem-é-além-do-nome?, e as pessoas passando na minha
frente, gente pra burro neste mundo quem é...?"
Mas como estava com livro aberto, segui na leitura. Próximo conto O Gravador e já nas primeiras linhas é possível notar a mesma pegada de Força Humana...
"... Estou casada com esse homem há quase dez anos. Ou eu o abandono agora ou nunca mais. A verdade é que as mulheres tem uma capacidade de se acustumar as coisas sórdidas. Eu, por exemplo, sinto prazer com a raiva e o desprezo que sinto por ele,com as pequenas vinganças que exerço; com os enganos que o submeto. Compenso desta maneira a vida ruim que levo, me satisfaço com coisas assim, como tirar dinheiro de sua carteira sem ele perceba, ou inventar despesas de casa inexistentes, ou ainda deixar patente sua ignorância e falta de educação. Preciso fugir disso o quanto antes, o ódio que sinto esta fazendo com que eu a ele me iguale..."
os demais contos são igualmente bons, e se comparado aos romances, aconselho os contos.
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