Por Pachá
Ao lado de Canudos, Desmundo faz parte do seleto time de filmes de proporções épicas do cinema brasileiro. E não é exagero dizer que o filme de Fresnot é um encanto no sentido de constituição de uma época, Brasil colônia no séc. XVI, mas precisamente 1570 quando o desbravamento do interior do Brasil vai dar lugar ao bandeirismo, que inicialmente com intuito de encontrar metais preciosos, viu no aprisionamento do indígena lucrativa atividade mercantil.
Baseado na obra de Ana Miranda, o filme tem fio condutor na trajetória de Oribela (Simone Spoladore) que como a maioria das órfãs entregue aos conventos eram usadas no povoamento da colônia, ou seja, eram enviadas para as terras alem mar para se casar com os donos de pequenas propriedades (engenhos) e assim povoar o novo mundo com fies a igreja e a coroa e com isso diminuir a mistura entre europeu e índios. Importante salientar que Portugal no referido período não dispunha de gente nem recursos financeiros para incursões mais ambiciosas no território brasileiro, que não tardaria a ser ameaçado por franceses e holandeses, ainda mais no período da união ibérica (1580-1640).
A cena de chegada da nau portuguesa a costa brasileira é soberba e já dá dimensão da grandiosidade e esmero da produção. Na vila as órfãs são apresentadas a seus esposos. Oribela com sua rebeldia, recusa seu primeiro pretendente e ganha má fama entre os homens, mas acaba por ser aceita por Francisco D'albuquerque (Osmar Prado), como algo que ninguém queria, "resto" nas palavras de Francisco. Inconformada com sua condição e destino, Oribela acalenta sonhos de voltar para o reino, e para a segurança do convento onde possa ser aceita como dama de alguma senhora.
No seu lar, nas entranhas do sertão, Oribela tenta dar forma ao seu plano de retornar ao reino na primeira embarcação que encontrar e fugir de seu marido, homem rude e tão selvagem como os selvagens que caça no interior do sertão. Embora Spoladore seja protagonista, Osmar Prado é quem mais verosimilhança dá ao personagem, sujeito irascível que encarna com perfeição a figura do bandeirante, que não mede esforço em lutar pelo que é seu dentro do conceito de propriedade da época, e para tal nem mesmo a igreja com o projeto de catequese dos índios o demove da sua noção de posse. Embora pouco explorado, não era idéia central o conflito entre igreja e bandeirantes, ainda sim na sua abordagem superficial, Fresnot consegue pautar bem a questão. Até porque esse conflito já rendeu um ótimo filme, A Missão.
Em sua primeira fuga Oribela quase tem fim pior do que com seu marido, Francisco, ao ser disputada por três piratas e quando está para ser estuprada pelos três desqualificados é "salva"por Francisco que surge como seu salvador, não por motivos cavalheiresco e sim pelo seu ganancioso entendimento de posse. Mais cooperativa Oribela desempenha papel da esposa, mas sonho de fuga ainda povoa seus sonhos. Na segunda fuga, mais preparada, ela consegue chegar a vila, onde é acolhida, inicialmente contra vontade, por Ximeno Dias (Caco Ciocler), um cristão novo que negocia índios e todo tipo de objeto que na falta de industria manufatureira é sempre bem vindo a essas terras. Entre Oribela e Ximeno se desenvolve impróprio romance, mas com desfecho trágico.
Desmundo merece atenção do espectador não só pela beleza da fotografia e constituição de época, como entendimento da formação da sociedade brasileira, sendo portanto um bom retrato desse emaranhado das raízes brasileiras.
Simone Spoladore ....
Oribela
Osmar Prado .... Francisco
de Albuquerque
Caco Ciocler .... Ximeno
Dias
Berta Zemel .... dona Branca
Beatriz Segall .... dona
Brites
José Eduardo .... governador
Débora Olivieri .... Maria
José Rubens Chachá .... João
Couto
Cacá Rosset .... Afonso
Soares D'Aragão
Giovanna Borghi ....
Bernardinha
Laís Marques .... Giralda
Arrigo Barnabé .... músico
Nenhum comentário:
Postar um comentário