Livro póstumo e inacabado lançado alguns meses após sua morte, já que Graciliano morre em 1953. Coube ao seu filho Ricardo Ramos completar as memórias de seu pai a partir de manuscritos abandonados em gavetas. A repercussão do livro dividiu opiniões, por um lado além de sucesso de critica também foi sucesso de vendas, pela primeira vez. E como bem resmungava Graciliano sobre suas obras, um arranjo de frases, com passagens razoáveis, mas no todo ordinário que não vai vender 100 cópias e certamente levará editor a ruína. Sem duvida mais que um ledo engano, já que Graciliano está no hall dos melhores prosadores da literatura brasileira e porque não mundial. Em minha opinião, e a deixei clara em resenhas de outros livros, postados aqui nesse blog. Graciliano é o maior escritor brasileiro, e o tenho no mesmo patamar de Dostoiévski. Diante do sucesso de vendas e critica, ao seu lançamento também suscitou dúvidas quanto ao caráter da obra, já que inacabada e póstuma, o quanto realmente foi mantida de sua essência? Esse fato trouxe para o debate intelectuais e estudiosos do Estado Novo, período em que Graciliano foi preso. Sobretudo na figura do jornalista Wilson Martins que em 1953 no suplemento literário do jornal Estado de S. Paulo, aponta suspeitas sobre a autenticidade do texto.
Porém desviando da polemica de autenticidade ou aprovação ou não do partido comunista, o que se tem nas mais de 600 páginas é um relato de alto nível literário, numa prosa inovadora, no qual o autor consegue manter imparcialidade, mesmo quando é levado a tomar uma posição. como na passagem abaixo
"Ainda não dispunha de meios para avaliar com segurança a inteligência de Prestes: dois ou três manifestos, repreensões amargas aos antigos companheiros, eram insuficientes. Admirava-lhe, porém, a firmeza, a coragem, a dignidade. E sentia que essa grande força estivesse paralisada.
- Com os diabos!"
Como para fugir da armadilha, de postura politica, essa admiração também é dirigida a personagens como Gaúcho, um declarado bandido com muitas historias de fugas e vilania para sobreviver no ambiente carcerário.
O estilo que consagrou a prosa de Graciliano está presente, cru, curto, preciso e objetivo, sem canduras ou mesmo eufemismo. Como nos curtos dialogo na visita de sua esposa.
- Como esta magro! Porque raspou a cabeça?
- Pois sim! resmunguei. Isso dependia de mim. Devia estar gordo e cabeludo. Quanta inocência!
Preso sumariamente, sem acusação formal em Maceió no dia 31 de Março de 1936 e solto nas mesmas condições, ou seja, sem as devidas explicações, em Janeiro de 1937. Graciliano foi levado primeiramente para Recife em seguida, no porão do navio Manaus desembarca no Rio de Janeiro. Em curta passagem pela casa de detenção, onde convive com presos políticos, logo é enviado para colônia de correção de ilha grande onde divide espaço carcerário com presos comuns. Vitima mais ilustre na repressão do governo Vargas. Graciliano iniciou anotações do que viria ser Memórias... ainda na prisão, embora confesse em suas linhas ter se desfeito de alguns manuscritos por medo ou por achar que o arrumado de frases não fazia sentido, muito menos ganhar páginas de um obra. A comparação de Memórias do Cárcere com Recordação da casa dos Mortos de Dostoiévski é inevitável, ao menos pra mim é, isso como bem escrevi linhas acima, é porque tenho os dois escritores no mais alto padrão da escrita. Em ambas as obras há relato desesperançado, fragmentado no qual a condição humana é questionada a todo instante. E se falta o ódio direcionado aos algozes de suas infelicidade, sobre a resignação que os fazem tecer pensamentos e reflexões sobre o momento, de agonia ou de besta alegria dos respectivos acontecimentos políticos que altera ritmo de suas vidas. Pois é inegável nas duas obras, o fato de que autores não passaram incólumes a esses acontecimentos.
Para quem tinha preocupação, quase obsessão, em arrumar as orações, dando-lhes apropriados adjetivos, Graciliano garantiu não só lugar no circulo literário, mas também posto de um dos maiores prosadores. E Memória do Cárcere não deve ser lido como relato histórico do conturbando momento político brasileiro no governo Vargas, mas como relato literário proveniente de acontecimento histórico que alterou rumo de uma nação ou senão de vidas, uma delas Graciliano.
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