sábado, 2 de julho de 2022

Amarelo Manga

 

Por Pachá

Era uma quarta feira, dia 29 de junho, e após 20 anos do lançamento do filme em circuito nacional, Amarelo Manga é exibido em 35mm no EstaçãoNet. É muito interessante perceber como uma obra resiste a maior prova, que é a prova do tempo. Tarkovski escreveu que o tempo é que defini se uma uma obra é arte ou uma reprodução equivocada de uma realidade. 

Ao rever Amarelo Manga na telona, fiquei com o mesmo incomodo de quando o assisti pela primeira vez no Festival do Rio, achei e continuo achando desnecessário a cena do matadouro, em que é mostrado o abate. Na época essa cena foi estimulo para minha primeira tentativa de parar de comer carne, mas esse vegetarianismo durou alguns meses. Hoje já não como carne vermelha a dois anos e a cena reforçou minha convicção de continuar e parar de comer também qualquer tipo de carne de origem animal.

O filme continua visceral, com atuações primorosas. A personagem principal, a cidade de Recife e o rio Capibaribe são delineados pela câmera de Walter Carvalho, e como canta a galera do manguebeat, "a cidade não para, a cidade só cresce..." é um extra campo formidável, pois sabemos ou ficamos com a sensação a cada cena, que ali do lado o rio acompanha seus atores sociais, ainda que estes não sejam muito cuidadosos no trato do rio.

Um outro ponto na fotografia, é a crueza do universo, e este não é criado, o Texas Hotel é aquele mesmo, o bar avenida é real, se há o aspecto cênico é justamente pelo fato de que a realidade precisa da ficção e o salva guarda da linguagem cinematográfica. E nesse ponto o trabalho de Miguel Rio Branco no início dos anos 80, no bairro Maciel em Salvador é uma das referências mais nítidas, até porque os universos são bem parecidos.

O moralismo e libido é a linha condutora dos personagens de Dira Paes e Chico Dias e junta-se a eles Dunga vivido por Matheus Nachtergaele. O mesmo se dá com Isaac (Jonas Bloch) e Ligia (Leona Cavalli) só que esses sabem que o pudor é uma forma pouco eficaz de controle das pulsões. Lígia vive sufocada por um universo machista. Isaac um arrivista com estranhos prazeres. Não há qualquer aprofundamento dos personagens, e a trama se passa entre o amanhecer e o anoitecer, ou seja,  não há subversão do tempo, este está na cronologia do tempo real, do relógio.

A interpolação dos personagens são bem conduzidas pela direção de Claudio Assis que levou a risca a máxima de Tosltoi, se quiser falar do mundo, comece primeiro pela sua aldeia. E o que ficou impresso na película, é isso, uma cidade, um bairro que abriga os mais diversos tipos dos quais o diretor tem profundo conhecimento, e isso é fundamental para conferir a veracidade interna de uma obra.

Amarelo Manga em minha percepção é uma das obras primas do cinema nacional em um ano que nos deu, Cidade de Deus, O invasor etc...e quebrou o eixo Rio-SP nas produções.

magnetlink amarelo_manga 2002

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