Som ao Redor

Por Pachá

Uma das grandiosidade do cinema é se amparar em banalidades, quase nada, e criar historias interessantes encharcada de emoções ainda que cotidianas e rotineiras. E quando nos deparamos com tais trabalhos sabemos estar diante de um bom filme.

O primeiro longa de Kleber, Som ao Redor é um bom exemplo desse tipo de trabalho, despretensioso, mas impregnado de olhar social e interrelações humanas em grande aglomerações urbanas. Apoiado em imagens simples, de ruas, quintais, prédios ele monta intrigado quadro social de um bairro classe média alta de Recife onde a rotina é alterada com a chegada de um grupo de segurança particular prometendo segurança dia e noite ao bairro, que esta cercado por uma favela. Dentro desse universo surge duas historias, João (Gustavo Jahn) órfão e neto do maior proprietário dos prédios do bairro, Sr. Francisco (Waldemar José Solha) e Bia (Maeve Jinkings) uma jovem dona de casa, mãe de dois filhos que vive atormentada pelo barulhento Weimaraner do vizinho que late e uiva a noite.

Os personagens se movem na rotina do bairro, reunião de condomínio, aulas de inglês dos filhos e o temor de ter a casa invadida por assaltantes. Este muito bem apoiada no pesadelo da filha de bia ao sonhar que a casa é invadida e todos os moveis da casa somem. A tensão criada por essa rotina espreitada por tragédia é o grande fio condutor da historia, ficamos na expectativa, ao menos eu fiquei, de que a qualquer instante um elemento externo a esse universo criaria grande cisão dessa rotina. Mas o roteiro contorna de forma inteligente essa tragédia iminente.

Além da boa dinâmica nos conflitos de sutis disputas geográficas onde reina certo "coronelismo" no personagem de Francisco, não atoa que sua figura esta associada a senhor de engenho, pois ele ainda mantém um "engenho". Esta estrutura social do senhor soberano cria interessante contraste com estrutura da classe média do bairro, que em nenhum momento procura o Estado para suas calamidades, sugerindo um Estado dentro de outro Estado. Outro ponto bem resolvido do filme é o mérito de explorar os sons urbanos de forma elegante produzidos pelos atores do cotidiano do bairro, o cão, a bola, o som da carrocinha de CD pirata e o silencio na ausência desses. Kleber se apropria desse emaranhado de quase nada e  transforma num interessante recorte de espaço urbano com suas idiossincrasias, que oscila entre a ficção e o documental com sutil dose de humor e discreta critica social.

A julgar pelo cartaz, vejo grande estardalhaço e pretensão, principalmente de meios de comunicação como a veja (sic!) que vê no filme uma das maiores produções dos últimos anos. Ou esses críticos estão vendo poucos filmes, ou são verdadeiros ineptos que confundem novidade com qualidade, não que o filme de Kleber esteja desprovido de qualidade, mas o cinema nacional tem nos últimos anos, gerado filme do mesmo quilate que Som ao Redor; Trabalhar cansa, O céu sob Ombros, Amores Passageiros (curta) só para citar alguns...

Kleber que não é nenhum estreante, possui grande experiência filmica. Começou a carreira cinematográfica realizando curtas-metragens, entre eles, os premiados Vinil verde (2004), Eletrodoméstica (2005) e Recife frio (2009). Em 2008, estreou seu primeiro longa-metragem, o documentário Crítico. Também é programador do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco e do festival Janela Internacional de Cinema do Recife.



Filmografia selecionada:

 Diretor e roteirista


O som ao redor (2012). Prêmio da Federação Internacional de Críticos de Cinema (Fipresci) no Festival de Roterdã de 2012. Prêmio de melhor filme pelo júri popular e Júri da Crítica, melhor diretor e melhor desenho de som no Festival de Gramado. Prêmios de melhor filme e melhor roteiro na Première Brasil do Festival do Rio 2012

Recife frio (2009). Curta-metragem. Prêmio de melhor curta no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Prêmio de melhor filme pelo público e crítica, melhor diretor e roteiro no Festival de Brasília

Crítico (2008)

Noite de sexta, manhã de sábado (2006). Curta-metragem. Prêmio de melhor direção no Cine PE. Prêmio de melhor atriz e prêmio da crítica no Festival de Brasília.

Eletrodoméstica (2005). Curta-metragem. Prêmio de melhor filme pelo público e crítica e melhor atriz no Cine PE.

Vinil verde (2004). Curta-metragem. Prêmio de melhor filme pela crítica, melhor direção e montagem no Festival de Brasília.

A menina do algodão (2003). Curta-metragem codirigido com Daniel Bandeira.