quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Baudolino

Por Pachá
O quarto romance de Eco, Baudolino e o segundo ambientado na idade média, o primeiro foi Nome da Rosa, Eco mantém a veia policial em trama arquitetada entre fatos e personagens históricos. O protagonista Baudolino que se intitula um mentiroso nato, faz relato de suas aventuras ao historiador bizantino Nicetas Coniantes (1155-1215) cujo relatos sobre a tomada de Constantinopla, reside relevante parte de sua obra. 

No primeiro capitulo onde Nicetas expressa sua percepção do forasteiro a sua frente narrando fatos da corte de Frederico I Sacro imperador Romano-Germânico (1122-1190), conhecido também como Frederico barbarossa. Nicetas se pergunta sobre a veracidade de tais relatos, o que demostra por parte de Eco conhecimento e aceitação da Historia como ciência ao estabelecer os domínios entre narrativa, crônicas e Historia (ele escreve Historia com letra maiúscula). Não pra menos, dado erudição e cuidadosa pesquisa de Eco para alinhavar ficção e historia dentro de uma narrativa com fundo policial. Até porque como ensaísta e pesquisador da semiótica é um dos poucos filósofos que consegue conciliar trabalhos teóricos-críticos com produção literárias, e obter notoriedade em ambas áreas.

"Viver na corte, e naquela corte, havia ensinado Nicetas a valorizar as pessoas com serena desconfiança. O que mais me impressionava em Baudolino, não importa o que dissesse, era o fato de ele olhar com canto do olho seu interlocutor, como para adverti-lo que não o levasse muito a sério. Habito que se pode tolerar em qualquer um, exceto numa pessoa de quem se espera um testemunho veraz, que devia se interpretado como Historia"

Adotado por Frederico barbarossa que viu em Baudolino  bom presságio para seu reinado, também não tardou a notar que seu afilhado tinha o dom da mentira, mas por inexplicáveis razões, as mentiras de Baudolino acabam por se tornar verdades, e se mentiras são verdades que deixaram de acontecer, como bem escreveu Drummond, Eco rescreve a Historia não como foi e sim como deveria ter sido, como na canonização de Carlos Magno inteiramente arquitetada por Baudolino sob chancela de Frederico, e para tal se  utiliza das fabulas medievais de cavaleiros e donzelas, das ordenações, de amores impossível onde referencia explicita é Heloísa e Abelardo. É também a partir das mentiras de Baudolino que se tem a disseminação de lendas famosas como o Santo Graal onde o próprio Robert de Boron, poeta francês que viveu entre o séc. XII e XIII e um dos primeiro escritores das lendas arthurianas e também o primeiro a conferir a lenda do Graal um sentido Cristão é introduzido como parceiro de aventura de Baudolino na procura do mítico reino de João Prestes, monarca e patriarca cristão no Oriente, filho do Rei Mago Baltazar. O reino de Prestes foi motivo de engajamento aventureiro, cuja "noticias" de tal reino chegava a Europa através de mercadores, embaixadores a ponto de termos ilustres famosos como Infante D. Pedro um desses aventureiros. 

Eco costura a epopéia de Baudolino um Ulisses medieval com mestra erudição carregada de humor. O período de Baudolino nos colégios franceses onde conhece um poeta que não sabe fazer poesia, o amor mundano com esposas de açougueiros, o sofrimento pelo amor impossível é digno do melhor roteiro dos filmes de John Hudges, mas isso não é mérito apenas de estilo literário, e sim de obsessivo  detalhismo de pesquisa, e compara-lo a Hudges quase uma heresia.

Em sua viagem a procura do reino de Preste, Baudolino vai construindo e questionando mitos e lendas cristãs, o numero e origens dos Reis Magos, a falsificação de reliquias religiosas, algo muito comum na idade média, e como bom medievo, Baudolino  está a mercê de amores e encantos por mulheres quase mitológicas, como em seu encontro com Ipásia, ou descendentes de Ipásia sábia mulher que viveu no séc. IV em Alexandria muito bem retratado no filme Ágora - Alexandria.


"Porque deves saber talvez, ou não sabes, que Ipásia viveu realmente, mesmo que a menos de mil e tantos anos, mas há quase oito séculos, viveu em Alexandria do Egito, quando o império era governado por Teodósio e Arcádio. Era realmente, como dizia, uma mulher de grande saber, versada em filosofia, matemática, astronomia, e os próprios homens ficavam suspensos com suas palavras"

Ao final Eco volta a Historia como ciência apoiada em métodos de analise critica, com caráter fundamentado em provas onde o passado não seja mera alegoria. Quando Nicetas procura o sábio Pafnúcio (supostamente viveu a.C 251 a 360) que segundo a lenda foi um dos confessores de Cristo, e conta-lhe toda a historia que lhe foi passada por Baudolino, pedindo conselho do que deve fazer, pois cedo ou tarde, como Historiador, deve escrever o regesto dos últimos dias de Bizâncio e onde o relato de Baudolino se encaixa. Ao que o sábio responde.

"Em parte alguma. É uma história toda dele. E a final, tens certeza de que é verdadeira?"
"Não, tudo que sei, eu o conheci através dele, como também soube por ele que era um mentiroso".
"como vês, disse o sábio Pafnúcio, um escritor de Historia não pode confiar num testemunho tão incerto. Apaga Baudolino da tua narrativa."

Um livro fantástico em todos os sentidos... e como fantástico não ousaria a coloca-lo no mesmo bojo dessa literatura fantástica de códigos, vampiros, lobisomens, bruxos e terras mitológicas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário