terça-feira, 5 de julho de 2022

Esculpir o Tempo


Por Pachá

Tarkovski que é filho do poeta Arseny Tarkovsky, se considerava mais um poeta do que um diretor, ele também relata que só se considerou verdadeiramente um cineasta quando fez A Infância de Ivan. E até esse ponto, ele acreditava que o cinema nada tinha a ver com sua vida. No Instituto Estatal de Cinema eles não assistiam a filmes, pois se acreditava que os alunos ficariam impregnados de vícios ou visão equivocadas do que é fazer cinema...a influência nociva do Ocidente.


Esculpir o tempo foi escrito a partir de uma insatisfação com as teorias que norteavam o cinema naquele momento.


"Percebi que, em geral, o reconhecimento dos princípios da minha profissão dava-em mim através do questionamento das teorias estabelecidas e do desejo de expressar a minha própria compreensão dos princípios fundamentais da arte que se tornou uma parte de minha pessoa"


Tarkovski tinha plena convicção de que a arte é o meio pelo qual o ser humano alcança sua plenitude espiritual, e isso é bastante presente em suas obras, dado a sua criação e crenças cristãs. Assim como é explicado por ele a falta de símbolos em seus filmes, ele diz que não usa simbologia, a chuva em seus filmes significa chuva pois em sua terra natal, as chuvas duravam dias, e portanto fazia parte da vida, e é isso que ele tenta e se esforça para captar em seus filmes, a vida, o belo e o sublime e a poesia contida nos instantes mais comuns da existência. O cinema para Tarkovski é o meio para explorar os problemas mais complexos do nosso tempo.


"arte é preparar a pessoa para morte.."


Há um critica feroz ao cinema comercial, ele diz não entender como há uma explicita preferência ao lixo comercial ao invés de Morangos Silvestres de Bergman ou O Eclipse de Antonioni...


Truffaut responde..." a função primeira do cinema é o entretenimento"


E Tarkovski replica...
"Não sou artista de salão, não cabe a mim manter o público feliz"


As impressões de sua arte e os caminhos destas, são a prova de que o ser é fruto de seu tempo, e suas criticas a vanguarda, a arte e artistas que produzem arte destituído de sentido é a decadência do mundo contemporâneo e a morte do próprio cinema enquanto arte. Para Tarkovski o tempo inexoravelmente vai expor o vazio de uma obra que, cuja expressão, não contenha uma visão única e pessoal do mundo.

A impressão que fica ao terminar o livro é que pairava certa dúvida quanto a caminho ser trilhado pelo diretor enquanto artista, e entender esse processo era o mais fundamental para Tarkovski. O cinema como qualquer arte sofre os impactos tecnológicos, esta transforma e molda sociedades, e fiquei com essa impressão quando ele, Tarkovski, diz abominar a montagem em que há divisão de tela (split screen) na qual mostra coisas simultaneamente acontecendo, ou mesmo a vanguarda. O livro foi publicado em 1984, e como mesmo deixa claro o autor, ele não foi escrito em um único momento, e sim com intervalos de tempo, o que ele pede perdão pela falta de unidade nos pensamentos. E certamente foi finalizado quando o autor residia em Paris, onde veio a falecer em 1986. Lembrando que nesse período o socialismo soviético sucumbia diante do inexorável avanço do capitalismo, e sem dúvida isso, de uma forma ou outra, afetou arte e artistas que nasceram e cresceram naquele regime.


Parte 1 de 2

Parte 2 de 2

sábado, 2 de julho de 2022

Amarelo Manga

 

Por Pachá

Era uma quarta feira, dia 29 de junho, e após 20 anos do lançamento do filme em circuito nacional, Amarelo Manga é exibido em 35mm no EstaçãoNet. É muito interessante perceber como uma obra resiste a maior prova, que é a prova do tempo. Tarkovski escreveu que o tempo é que defini se uma uma obra é arte ou uma reprodução equivocada de uma realidade. 

Ao rever Amarelo Manga na telona, fiquei com o mesmo incomodo de quando o assisti pela primeira vez no Festival do Rio, achei e continuo achando desnecessário a cena do matadouro, em que é mostrado o abate. Na época essa cena foi estimulo para minha primeira tentativa de parar de comer carne, mas esse vegetarianismo durou alguns meses. Hoje já não como carne vermelha a dois anos e a cena reforçou minha convicção de continuar e parar de comer também qualquer tipo de carne de origem animal.

O filme continua visceral, com atuações primorosas. A personagem principal, a cidade de Recife e o rio Capibaribe são delineados pela câmera de Walter Carvalho, e como canta a galera do manguebeat, "a cidade não para, a cidade só cresce..." é um extra campo formidável, pois sabemos ou ficamos com a sensação a cada cena, que ali do lado o rio acompanha seus atores sociais, ainda que estes não sejam muito cuidadosos no trato do rio.

Um outro ponto na fotografia, é a crueza do universo, e este não é criado, o Texas Hotel é aquele mesmo, o bar avenida é real, se há o aspecto cênico é justamente pelo fato de que a realidade precisa da ficção e o salva guarda da linguagem cinematográfica. E nesse ponto o trabalho de Miguel Rio Branco no início dos anos 80, no bairro Maciel em Salvador é uma das referências mais nítidas, até porque os universos são bem parecidos.

O moralismo e libido é a linha condutora dos personagens de Dira Paes e Chico Dias e junta-se a eles Dunga vivido por Matheus Nachtergaele. O mesmo se dá com Isaac (Jonas Bloch) e Ligia (Leona Cavalli) só que esses sabem que o pudor é uma forma pouco eficaz de controle das pulsões. Lígia vive sufocada por um universo machista. Isaac um arrivista com estranhos prazeres. Não há qualquer aprofundamento dos personagens, e a trama se passa entre o amanhecer e o anoitecer, ou seja,  não há subversão do tempo, este está na cronologia do tempo real, do relógio.

A interpolação dos personagens são bem conduzidas pela direção de Claudio Assis que levou a risca a máxima de Tosltoi, se quiser falar do mundo, comece primeiro pela sua aldeia. E o que ficou impresso na película, é isso, uma cidade, um bairro que abriga os mais diversos tipos dos quais o diretor tem profundo conhecimento, e isso é fundamental para conferir a veracidade interna de uma obra.

Amarelo Manga em minha percepção é uma das obras primas do cinema nacional em um ano que nos deu, Cidade de Deus, O invasor etc...e quebrou o eixo Rio-SP nas produções.

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sábado, 11 de junho de 2022

Natimorto

Por Pachá

A negação da existência é, talvez, a maior vingança contra vida e essa ode a morte ainda em vida é o que move o agente musical (Lourenço Mutarelli) que se encanta pela jovem promessa da musica, Simone Spoladore.

A trama mistura tarô com as funestas mensagens, "o ministério da saúde adverte" que vem estampadas nos maços de cigarro no qual o roteiro trabalha os subjetivos conceitos de azar e sorte. O primeiro ato cria interessante perspectiva de uma relação nada convencional, baseado no estranhamento, mas que nos atos seguintes ganha estrutura mais teatral com diálogos forçados.

O filme que estreou no festival do Rio de 2009 é uma aposta do cinema não realista que foge ao gênero dominante do período, o favela movie. A aposta de Machline é explorar os males modernos, ansiedade, fracasso, sexualidade e todo tipo de fobia que assombra os sapiens das grandes metrópoles.


As atuações são muito bem conduzidas, Spoladore em minha percepção é a cara do cinema independente nacional, com uma uma mistura de sensualidade, expressões faciais e gestos magnéticos que cativa e aprisiona o olhar. Mutarelli incorpora seus personagens das graphic novel que tanto o consagrou como, Transubstanciação e o Rei do Ponto. Betty Gofman ainda que possua poucas cenas, tem grande presença, esbanjando talento e versatilidade com a esposa desconfiada e cética, ela é o contraponto realista da trajetória surrealista do agente.

Ainda que as expectativas criadas no primeiro ato não se realizem, e a trama fique estacionada, tal qual os protagonistas, Natimorto tem boas passagens, com boas atuações e vale o esforço para assisti-lo.



sábado, 21 de maio de 2022

Os Filhos de Duna

 
Por Pachá

Com a suposta morte de Paul Muad'Dib  o trono vive o interregno com Alia, irmã de Paul, assumindo o trono até que os gêmeos Ghanima e Leto II tenham idade para tal. Essa transição causa fratura e fragmentação na estrutura do governo que mantém a casa Atreide no poder. Alia cada vez mais dominada pelo consumo excessivo de especiaria está sucumbindo a abominação, que é quando os ancestrais tentam possuir a mente dos afetados, e em caso de sucesso, o conduzem a realizar seus desejos. No caso de Alia seu ancestral é o abominável barão Harkonnen. Abominação é o maior temor das Benne Gesserit. E Alia concentra o poder religioso, politico e militar de Arrakis. E ai fica fácil entender os motivos pelos quais o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente.

A fragmentação está contida nos três Atreides, mãe de Paul e Alia, Lady Jessica que sai de seu exílio em Caladan, exílio imposto por Paul. Alia que nutre a veia religiosa que sustenta a jihad Fremen, amplificando ainda mais a ameaça que sempre foi para as Benne Gesserit. Ghanima e Leto II que se mostra uma ameaça tanto para Alia quanto para lady Jessica, uma vez que também são uma ameaça para as Benne Gesserit. E para acirrar ainda mais a tensão pelo poder, a casa Corrino do imperador deposto Shadam IV tem no seu neto Farand'n Corrino, filho de sua terceira filha, Wensica Corrino, um forte sucessor para ocupar o trono, não por vontade deste, e sim de sua ambiciosa mãe Wensica que trama a morte dos gêmeos.

As revoltas tomam conta o planeta árido, agora não tão mais, pois a tecnologia adquirida pelas conquistas fremem em outros planetas, proporcionou o sonho de Kynes de tornar Arrakis um planeta verde e com água, mas não imaginou que isso iria acabar com as tradições do povo Fremem ou mesmo com a especiaria, já que água é mortal para os vermes, e sem estes não há especiaria. As tribos mais tradicionais abominam essas mudanças e amaldiçoa Paul Muad'Did e os Atreides por serem os causadores das mudanças climáticas e sociais. E dentro desse contexto social, Alia enxerga inimigos em todos os lados, e consequentemente aumenta a repressão.

“Antes, ali era a terra onde nada crescia. Agora há plantas. Elas se espalham como piolhos numa ferida. Temos nuvens e chuva por todo lugar em Duna! Chuva, milady! Oh precisa mãe de Muad’Dib, assim como o sono é o irmão da morte, é a chuva no Cinturão de Duna. Ela é a morte para todos nós.”

Leto II e Ghanima estão certos que devem acabar com legado de seu Pai e seguir o Caminho Dourada para restabelecer o controle do planeta Arakis e estancar o derramamento de sangue em nome do deus Muad'Dib, e isso desafia o governo de Alia que tenta a todo custo manter o legado do irmão.

Um dos livros mais belo e interessante da saga. E creio ser este o livro que mais aprofunda e expande o universo de Duna.

quinta-feira, 19 de maio de 2022

The NorthMan

 
Por Pachá

O terceiro filme de Eggers, A Bruxa, O Farol  é um colírio para o tema Viking quando há uma gama enorme de filmes e séries com essa temática, e muitos com uma visão equivocada sobre o século VII - IX, período em que os povos do norte se expandiram pela Europa, chegando a América do Norte e Ásia. E segundo o próprio diretor a idéia com O Homem do Norte era contar uma história definitiva sobre os Viking, eu particularmente não gosto da palavra definitiva quando pesquisa histórica está envolvida, mas é fácil entender o ponto de vista do diretor a partir do momento em que uma das fonte de pesquisa para o filme, é o livro "Vikings, a história definitiva dos povos do norte" do arqueólogo Neil Price um dos mais importantes pesquisadores sobre os Vikings.

A trama segue a trajetória de Amleth (Alexander Skarsgård) que testemunha a morte de  seu pai, o rei Aurvandil War-Raven (Ethan Hawke) pelo tio, irmão do rei, Fjölnir (Claes Bang). Amleth foge mas jura vingar a morte do pai e libertar sua mãe, Gudrún (Nicole Kidman). 

A história do príncipe Amleth foi escrito no século XIII, na A história dos dinamarqueses, e inspirou a obra de Shakespeare Hamlet. De acordo com o documento, Amleth após descobrir o assassinato do pai tramado pelo tio, trama uma vingança. Então Amleth fingi loucura (na idade média, os loucos eram os bobos ou tolos da corte) para não ser morto, já que um tolo não oferece perigo. Na trama de Eggers Amleth consegue fugir e após se tornar um grande guerreiro, decide vingar seu pai e libertar sua mãe. 

A construção do universo Viking proposta pelo roteiro confere grande veracidade, denotando uma pesquisa histórica apurada, ainda que o idioma inglês, falado com sotaque carregado incomode, deixando de lado o dialeto nórdico ou mesmo prejudicando esse. Dentre os aspectos sociais do Vikings a dos esporte e o laços por meio destes entre as famílias foi muito bem sacado, assim como aspectos do comércio e construções desmitificando a visão dos povos do Norte de apenas ferozes guerreiros e saqueadores.


A saga do Homem do Norte não pode ser visto como filme de ação pura e simplesmente, e sim como um filme imerso em cultura, simbologia e tradição amparada em uma pesquisa histórica que instiga o espectador querer saber mais sobre o tema. E sim, o filme é brutal, com cenas fortes e violentas.

As atuações são primorosas, mesmo personagens com pouco tempo de tela, como Willem Dafoe, o tolo Hemir que nada mais é um do que uma diluição da história de Amleth, ou melhor, uma conexão direta com esta. Björk como a feiticeira presciente que revela o caminho de Amleth cumprem papel importante dentro da trama. Skarsgard está muito bem e convence como guerreiro atormentado por um vingança na qual precisa escolher entre o ódio aos seus inimigos e o bem aos seus descendentes. Anya Taylor-Joy mais um vez mostra versatilidade. Nicole Kidman sempre eficiente e cumpre bem seu papel de catalisador para loucura de Amleth, e note que em seu último diálogo com filho, é possível enxergar uma outra trama shakespeareana, Macbeth.

A fotografia de Jarin Blaschke que dirigiu a fotografia dos outros dois filmes de Eggers, é muito bem conduzida, com belos movimentos de câmera, explorando sombras, silhuetas e crueza nas cenas de lutas.

The Northman é um filme instigante, belo e brutal que vale tanto pelo entretenimento como pela pesquisa histórica.



domingo, 15 de maio de 2022

Luzifer

 
Por Pachá

Inspirado em fatos reais Luzifer é ambientado nas isoladas montanhas austríacas. Maria (Susanne Jensen) e seu filho Johannes (Franz Rogowski) vivem em uma casa em condições deploráveis e dependem de ajuda de alguns amigos que vivem pela região, igualmente isolados, e em similar condição. Johannes tem deficiência mental, e sua conexão com mundo é basicamente pela sua mãe e os falcões. A rotina de mãe e filho é alterada quando um nos é mostrado que a casa de Maria está no meio de uma estação de esqui.

Com uma resistência pacifica, amparada em uma fé religiosa, que lembra os rituais pagãos de seus ancestrais misturados com fanatismo cristão, Maria recusa toda oferta de venda de sua propriedade. Esses elementos dotam a narrativa com toques de horror amparado em uma tragédia iminente.

O filme vai se molando entre a devoção profana de Maria e a inocência de Johannes que a todo instantes se questiona, "cadê o diabo?". E como a narrativa não entrega nada fácil, a materialização desse mal, bem pode ser a misteriosa caverna na montanha ou a equipe de construção que desmata o paraíso.

A fotografia nos instantes iniciais me pareceu equivocada, confesso que fiquei incomodado, quando temos uma câmera sempre em movimentos de aproximação, afastamento, slides que mais lembram um comercial de Tv, mas passado essa tentação a fotografia passa a seguir os personagens e captura a exuberância para nos convencer que de fato, ali é o paraíso, ainda que a montagem tente  contrapor e amplificar a atmosfera de mistério, acaba confundindo ao realizar corte em sequencias não concluídas ou mesmo em repetições que em nada agregam, a narrativa proposta de contrapor de forma idílica sua visão maniqueísta, do progresso contra a natureza ou qualquer coisa que o valha

As atuações são poderosas, principalmente de Franz Rogowski que entrega uma performance em gestos, olhares e expressões corporais, e propositalmente, confunde a leitura e interpretações dos espectadores quando se tenta decifrar suas falas, e ai esse Luzifer mais lembra o Lúcifer de Strindberg.

Ato 1
Deus e Lúcifer, cada um em seu trono, rodeados de anjos. Deus é um velho de expressão severa, quase malvado, longa barba branca e pequenos chifres, como Moisés de Miguel Angelo. Lúcifer é um belo jovem, tem alguma coisa de Prometeu, Apolo e Cristo. Seu rosto é branco, luminoso, os olhos chamejantes, os dentes brancos. Há uma auréola em sua cabeça.

Luzífer não é um filme fácil e certamente não vai alcançar um grande público, e sim aqueles que curtem diretores com a mesma proposta como por exemplo, Carlos Reygadas 




terça-feira, 10 de maio de 2022

Sofi Tukker

 
Por Pachá

Duo eletrônico de New York formado em 2016 com composições em português. Sophie Hawley-Weld e Tucker Halpern talvez não sejam muito original, mas são bem criativos ao mesclar grooves de guitarras com a música eletrônica imprimindo uma sonoridade com pegada alegre e nostálgica bem como um certo deboche encharcado de sex appeal

Duas coisas chamam atenção do duo para o público brasileiro, algumas canções em português, já que Sophie que é alemã morou no Brasil e adora o idioma e cultura tupiniquim. A outra é a sua semelhança com atriz Ana Paula Arósio. A dupla não é inteiramente desconhecida já que se apresentou no Lolapalooza SP 2018 e por ter sido indicado ao grammy de música em português em 2017.


O segundo trabalho da dupla aposta nas batidas que os tornaram conhecidos, como "drinkee", "matadora", "energia"...


Clipe música kakee

segunda-feira, 9 de maio de 2022

You Won't be Alone

 
Por Pachá

Com uma narrativa poética seguimos as várias vidas de uma bruxa, como forma de sobrevivência em aldeias na Macedônia do século XIX. A estrutura narrativa tem como grandes referências o cinema de Terence Malick e Robert Eggers.

A definição da palavra monstro só adquiriu o significado de horror, maligno na idade média. Na antiguidade monstruosidade era algo relacionado a maravilha, extraordinário algo fora do comum. O roteiro se ampara nessa polissemia da palavra monstro ao justapor as protagonistas, Velha Maria Donzela (Anamaria Marinca) a devoradora de lobos e Nevena (Sara Klimoska), mestra e pupila respectivamente, uma amargurada por uma vida incompleta a outra tentando sobreviver as amarguras de uma vida dura para mulheres em um mundo patriarcal.

A fotografia é pulsante, viva, câmera sempre em movimento para nos mostrar as experimentações de Nevena, que ainda bebê foi mantida longe de outro seres humanos e após sair da caverna em que cresceu e ao perceber que sua mãe sussurrante se transformou em sua mãe-diabo, se recusa a ser aquilo que ela ensina como forma de sobrevivência, e disso resulta uma luta constante entre o ódio e ternura. Nevena aprende como usar a pele de outros seres, e abandona Velha Maria, ou melhor, é abandonada por esta, que observa de perto como Nevena se mistura aos camponeses mortais.


As atuações com parcos diálogos, grande parte narrado por Nevena, ainda sim entregam boas presenças de cena conferido grande naturalidade ao encadeamento dos eventos e as várias facetas de uma mesma bruxa. Sara Klimoska encarna a ternura, Alice Englert a resiliência, Noomi Rapace a inocência, e aqui vale uma observação para essa atriz, que cada vez mais da mostras de que é incapaz de fazer algo ruim na telas.

Ainda que tenha ritmo lento, as atuações imprimem grande dinamismo e, creio, vai agradar aos mais aficionados pelo gênero assim como público comum sempre ávido por uma boa história. 

You won't be alone é um filme de terror que carrega grande dose de sensibilidade sensorial e reflexões sobre o que é ser humano e as intrínsecas interrelações entre os sapiens e a natureza, pois consegue escamotear com grande naturalidade uma trama maniqueísta.




sábado, 7 de maio de 2022

Throne of Blood

Por Pachá

A visão de Macbeth de Kurosawa é igualmente trágica. O diretor nunca escondeu sua admiração pelas obras de Shakespeare, vide "Ran" 1985 inspirada em Rei Lear. "O Homem mau dorme bem" 1960. Obras que mostram a intimidade que o diretor japonês cultivou ao longo de sua filmografia, cujas obras ajudou a definir sua linguagem cinematográfica.

Kurosawa também nunca escondeu que Macbeth é a tragédia que ele mais gostava, e dai explica o longo tempo em produzir esta obra, mais do que o habitualmente levou em outras adaptações. Logo após finalizar Rashomon 1950, ele queira fazer Macbeth mas soube que Orson Wells estava realizando essa adaptação, então Kurosawa adiou sua versão.

Em japonês a obra saiu com o título "O castelo da Teia de Aranha" que também é o feudo onde a trama se desenrola. Dois samurais, Washizu (Toshiro Mifune) e Miki (Minoru Chiaki) ao retornar da batalha contra o traidor Fujimaki que tentou usurpar o trono do imperador, se dirigem para o Castelo da Teia de Aranha e ao passar pela floresta da teia de aranha, os dois samurais se deparam com um espirito maligno, que profetiza que eles estão predestinados a grandezas, e que naquela mesma noite essa profecia se iniciará.


A destreza com que Kurosawa realiza os planos e eventos, aliados a uma fotografia que lembra traços de nanquim, confere a saga de Washizu uma dramaticidade sombria. As atuações são marcadas pelas expressões faciais característica do teatro Kabuki, presente nas obras do diretor.

Trono Manchado de Sangue assim como a obra de Shakespeare carrega a máxima freudiana dos "arruinados pelo êxito" pois a realização de um grande desejo inevitavelmente e inexoravelmente traz angustias, ansiedade suspeitas de perseguição, uma vez que manter os louros dessa grande realização requer viver entre a falta e o desejo e essa é nossa constituição predominante na busca por grandes vitórias.

quinta-feira, 5 de maio de 2022

X


Por Pachá

Uma equipe de cinema independente aluga uma fazenda no Texas para realizar um "dirty movie", As Filhas do Fazendeiro. Os proprietários, Howard (Stephen Ure) e Pearl (Mia Goth)  um casal de idosos, não fazem ideia do que o grupo está realizando, mas vai ao encontro dos desejos reprimidos de Pearl.

Ti West mostra que é possível desenvolver um bom filme de terror com referências aos clássicos dos anos 70/80, e o mais notório de todos sem dúvida é "Texas Chainsaw Massacre" de 1974, sem necessariamente seguir a mesma linha de eventos deste. E vale lembrar que West escreveu, produziu, dirigiu e montou X, e isso mostra a liberdade que A24 dá aos seus produtores e diretores.

Uma equipe de filmagem, na qual a estrela Maxine (Mia Goth) em papel duplo, ela também faz a idosa Pearl. Maxine acredita que merece o melhor que a vida pode reservar pra ela. Em seus devaneios megalômanos a base de cocaína, ela acredita que o filme produzido pelo seu namorado, Wayne (Martin Handerson) pode transformá-la em uma estrela famosa. O mesmo pensa o câmera RJ (Owen Campbell) ao acreditar que pode fazer cinema arte a partir de algo "ruim". Lorraine (Jenna Ortega) namorada de RJ não compartilha da visão de Rj, e não está confortável com o que estão prestes a realizar. Bobby-Lynne (Brittany Snow) encara como mais um trabalho que possibilitara pagar as contas. Jackson (Kid Cudi) um veterano do Vietnã vê nesse projeto uma oportunidade de carreira no segmento de filmes adultos.


O primeiro e o segundo ato, são muito bem desenvolvidos na apresentação de personagens e na ambientação dos conflitos, e nesse ponto o roteiro e direção pontua de forma muito eficaz a diferença entre X e os filmes do gênero, quando deixa claro que seus personagens não são idiotas, puritanos, românticos ou movidos por instintos sexuais reprimidos, ao contrário eles sabem dos riscos, e se e quando escapam deles é por pura sorte, e a cena do banho de lago deixa claro essa idéia.

As atuações são eficientes, Brittany Snow está muito bem, com ótimas falas e desenvoltura nas cenas eróticas. Mia Goth é a grande presença, com expressão corporal e facial que transmite certo contraste entre o angelical e diabólico, e nesse ponto é fácil fazer a justaposição entre as personagens Maxine e Pearl. Os demais personagens mostra entrosamento e alinhamento com proposta do roteiro, ou seja, fornecer lastro para um narrativa que se distancie dos filmes aos quais X faz referência.

De acordo com o diretor, em entrevista, foi gravado um filme secreto durante as gravações de X, no qual explora o passado de Pearl. É esperar e ver se West vai conseguir manter o mesmo padrão.


quarta-feira, 4 de maio de 2022

El Prófugo


Por Pachá

Com forte influência do cinema de Dario Argento, El Prófugo consegue manter uma boa atmosfera de suspense entre o real e imaginário.

Inés (Erica Rivas) é cantora e dubladora e após um evento traumático, começa apresentar problemas durante gravações, que nos leva crer se tratar de interferência do próprio campo elétrico magnético do corpo de Inés. E a partir dai Inés se vê imersa entre os devaneios de sua mente, entre e o que é real e sobrenatural. 

Erica Rivas que muitos devem lembrar, a noiva furiosa de "Relatos Selvagens" entrega uma boa performance com uma atuação sem exageros e transita muito bem entre uma profissional preocupada com seu futuro e o tormento de ser assombrado por algo além de sua compreensão. A condução da trama é bem sútil e dispensa o sangue do estilo Giallo certamente uma fonte inspiradora, mas nem por isso perde ritmo ou impacto

A fotografia de Barbara Alvarez cria boa ambientação, aproveitando sombras e assim com Argento utiliza muito bem as fontes de luz artificial para amplificar o suspense. 

Com um desenvolvimento muito bem resolvido, o final peca com um desfecho um tanto decepcionante, meio comedioso, desconstruindo todo o resto do filme.


terça-feira, 19 de abril de 2022

The Batman

 
Por Pachá

O novo filme de Batman tem uma influência muito forte no cinema noir, principalmente no que tange a fotografia de Greig Fraser. Outro é o caráter investigativo na qual a maior inspiração é Zodíaco 2007 de David Fincher, mas vale para qualquer filme em que há toda uma simbologia cercando e guiando crimes em série, e nesse sentido Fincher é um grande representante, Seven e Zodiac estão profundamente imersos nessa narrativa.

O ambiente sombrio de Gotham nunca foi tão bem construído, e isso é fruto do pioneirismo de Greig Fraser no StageCraft que ao invés de usar a tela verde, usa grandes telas de alta definição para inserir cenários em tempo real. Essa Gotham em processo de autofagia como bem saliente Bruce e como ardoroso defensor, lutando contra o crime, carrega em sua alma sombria, o dilema da tênue linha divisória que o separa da escória de Gotham. E nesse sentido temos um Batman barroco, basta ver sua moradia, a batcaverna, o batmóvel etc.


O visual escuro, com personagens quase nas sombras sendo delineados por poucas fontes de luz é o grande diferencial visual desse filme de herói baseado em HQ, quando o que se tem no gênero é muita luz, muito brilho e grandes fontes de luz. Outro ponto a ressaltar é que esse, em minha percepção, é o Batman mais humano, dado que o próprio personagem dos quadrinhos não tem grandes poderes, a não ser um raciocínio rápido e condição física do corpo elevado ao máximo da perfeição em força e velocidade, que é amplificada pelo uniforme, este está bem marcado por várias batalhas, marcas de balas e outras cicatrizes. E por outro lado traz certas contradições, a cena em que Bruce desenha um fluxograma ou mind map dos eventos criminosos com tinta e spray e no chão da mansão, confesso que me pareceu desnecessária e pouco condizente com elevado poder cognitivo do homem morcego.

As atuação são bem acertadas, Pattinson está perfeito, poucas falas, olhar atormentado e com visual que lembra Brandon Lee em The Crow 1996. Zoë Kravitz tem boa presença como mulher gato, mas nada que surpreenda. Paul Dano como Charada está muito bem, mesmo em poucas cenas em que aparece. A cena em que Batman encontra Charada em Arkham dá a dimensão do quão foi acertada essa dupla, e também de como o filme de Fincher inspirou a trama, basta ver o retrato falado do serial em Zodiac e Paul Dano.


As 3 horas de filme, com cenas cheias de detalhes, fica claro que o diretor teve muita liberdade de criação e tomada de decisão quanto a estética do filme, e nada é mais claro que a opção por uma trama com eventos 99% noturnos, como é a dinâmica de um morcego. A cena de luta no corredor na qual o brilho dos disparos de armas é a única luz, é também uma mostra da ousadia da direção, ainda que prejudique em muito as cenas de lutas, que em minha opinião seria o ponto forte de uma filme de super heróis, e mais uma vez não é o que se vê, ao contrário, o que vemos é uma coreografia de simples movimentos mas com muita velocidade em lutas que mais parecem brigas de rua, nada mais crível para um super herói sem poderes, não é mesmo...

Um outro ponto a ressaltar em The Batman é que não se trata de um filme de ação, e sim um filme de investigação, um thriller com uma trama muito bem estruturada e instigante na qual mesmo que não atenda as expectativas dos mais fervorosos fans, agrada e sem dúvida deixa um gostinho de continuação.

Para as franquias centradas em Graphic Novels (HQ) creio que há um certo esgotamento do gênero ou da fórmula, e creio que cada vez mais os filmes de super heróis estão se aproximando das narrativas do cinema dos anos 70 e 80, ainda que se amparem com grandes tecnologias como CGI e StageCraft.


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sexta-feira, 11 de março de 2022

El Perro Que no Calla

 
Por Pachá

É certo que quando chegamos ao mundo, ou seja, nascemos, já encontramos esse mundo pronto, e a partir da observação desse mundo e de outros humanos é que nos tornamos igualmente humanos. É certo também que se adaptar a esse mundo está cada vez mais complexo. E partindo dessa premissa Ana Katz traça a trajetória de Sebastian (Daniel Katz), um jovem na casa dos 30 anos em sua busca por um lugar nesse mundo.

A fotografia em preto e branco confere a narrativa elementos surreais, amplificando o drama de Sebastian que de design gráfico, passa a caseiro de fazenda, agricultor, professor. A sua trajetória é uma espécie de síntese de sua geração, que vive as incertezas do condicionamento de um mercado de trabalho cada vez mais seletivo, e porque não cruel, quando emprega cada vez menos, com salários mais baixos em detrimento da maximização de lucros.


As atuações, mostram um elenco bem trabalhando, em situações quase naturalistas e bem entrosado na critica social a uma argentina em constante crise forçando as pessoas a adotar um espirito de readaptação constante. Isso fica bem marcado na cena em que uma estranha doença faz com que as pessoas não consigam ficar eretos, acima dos 1,20cm, a não ser com auxílio de um capacete especial, coloca em xeque os abismos sociais, uma vez que os mais ricos conseguem tem acesso a esse capacete, enquanto os mais pobres precisam andar agachados.

O cinema argentino sempre dando mostras de sua maturidade quando comparado aos demais países da América Latina, não que isso signifique superioridade, e sim por conseguir desenvolver narrativas e linguagem muito próxima ao cinema europeu, mas guardado a regionalidade pertinente ao seu lugar de fala.


terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Saint Maud

Por Pachá

Os esforços para se encaixar em grupos sociais e se sentir parte de algo é uma das características dos sapiens. Evoluímos enquanto espécie justamente por essa capacidade de se organizar em sociedade e com isso controlar nossas pulsões de morte.

Maud (Morfydd Clark) é uma enfermeira devota e dedicada a sua paciente Amanda (Jennifer Ehle). Maud acredita que foi escolhida por Deus para preparar Amanda em sua passagem. A rotina de Maud é pautada nos conflitos entre desejo, salvação e auto flagelação. Enquanto Amanda, uma artista e atéia, espera a morte, Maud sofre por possuir uma visão do mundo própria dos fanáticos religiosos, e essa alegoria é a premissa explorada pela narrativa em um ciclo perigoso de horror, se por um lado Maud procura abrigo e conforto na religião, por outro essa serve como justificativa para cometer atos terríveis, afinal, em nome de Deus e o amor, os sapiens vem cometendo atrocidades contra seus semelhantes.


A atuação de 
Morfydd Clark é muito boa e encarna uma personagem cuja narração de sua própria realidade é fruto de uma mente em processo de danos "irreversíveis". Os demais personagens servem para contrapor essa realidade e não deixar qualquer dúvida quanto a realidade de Maud. 

A atmosfera criada segue a risca a estética que está definindo a produtora A24, que mesmo quando não tem qualquer interferência na construção da narrativa, aposta em tramas de estranhamento, de horror psicológico. A fotografia de Ben Fordesman é muito atraente no sentido de criar uma áurea de estranhamento, com ângulos e iluminação que amplifica os conflitos internos da Maud.

Saint Maud é um exemplo de como a incapacidade de interação social e consequente solidão pode empurra um individuo para o abismo, cuja salvação é a aceitação dessa realidade, e a morte um deleite.


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

High and low (Céu e inferno)

 
Por Pachá

O roteiro é uma adaptação do livro noir King's Ranson do escrito americano Ed McBain. E a trama gira em torno do sequestro de um garoto, e o dilema de um alto executivo, Gondo (Toshiro Mifune) para pagar o resgate.

Kurosawa consegue criar uma atmosfera de suspense e ao mesmo tempo tecer uma dura crítica social, expondo as favelas e o submundo japonês. Os diálogos, ao menos nas legendas, são potentes e com alta cargas moral e ética dos costumes japoneses. O título já traz essa critica, no qual no alto da colina, como um monte Olimpio, vivem os ricos e poderosos e abaixo, os menos favorecidos.

A atuação de Mifune é carregada de nuances, de homem poderoso e até arrogante por conta do dinheiro, e quando se vê desprovido desse se transforma em um preocupado pai, numa humanização muito bem trabalhada pelo roteiro. Os demais personagens, também seguem esse dilema, tendo como contraponto, o antagonista, o sequestrador que arquiteta o crime por pura vingança e revolta contra o sistema que o condena e uma maneira ou outra, pelo fato de ser pobre.

A fotografia e o movimentos, seja de câmera ou dos personagens, são uma verdadeira aula de cinema, principalmente na cena do bar, quando o sequestrador é seguido por detetives. A tensão impressa nas cenas do trem, onde acontece a entrega do dinheiro para o sequestrador, é arrebatadora. No IMDB diz que a cena foi realizado no trem de Yokohama, e os takes eram únicos, pois não havia muito tempo, e que 4 vagões foram alugados para as cenas. E por ai é possível ter uma noção da segura e precisa direção de Kurosawa.

Esse filme de 1963 é tido como um dos melhores filmes de procedimentos policias, bem ao estilo dos CSI que existem hoje. 



segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Messias de Duna

 
Por Pachá

O segundo livro da saga de Duna tem uma trama ancorada em uma conspiração contra Paul Atreide, Muad' dib,Usul ou Kwisatz Haderach para as Bene Gesserit.

Após destronar o imperador Shaddam Corrino IV, Paul é tomado pelos fremens como um deus, e assim como profetizou as suas visões, os fremens partiram para o jihad em nome de Muad'Dib conquistado outros planetas. Isso inflou a ira de outras casas, mas principalmente da corporação, das Bene Gesserit e Bene Tleilax, esta bem mais maquiavélica que as Gesserit. Os tleilaux (dançarinos facial) são uma organização que assim como as Gesserit praticam a eugenia para alcançar linhagens que promova o equilíbrio entre os poderes, desde que seus interesses sejam preservados. 

Frank Hebert cria uma narrativa mais densa, e expande ainda mais o universo de Duna, ainda que seja mais curta que o livro um. Nesse continuação há todo o trabalho de diálogos e construção de personagens, seus conflitos e intenções, conferindo uma ferrenha briga pelo poder, que quando bem conduzida é sempre mais atraente que a luta aberta. Esse livro pode ser visto como o desfecho do livro um, em comunhão com ditado, chegar ao poder é uma coisa, se manter nele é uma outra coisa.

Refém do próprio poder, a presciência, pois quanto mais futuros possíveis Paul consegue vislumbrar, mais é consumido pela ação, e como todo herói trágico, Paul sente o peso de suas ações e a todo custo tenta se afastar dessa jihad, mesmo que para isso tenha que fazer sacrifícios, e quanto mais ele tenta evitar eventos futuros, mas ele fica refém das ações no presente

É possível perceber nesse volume o quanto o universo star wars e game of thrones bebeu nessa fonte. E não só eles, Philip K. Dick também foi muito influenciado pelo universo de Duna.

Livro subestimado pelo público em geral, que esperava mais batalhas, e esquece que a batalha interna, contra aqueles que rodeiam o imperador-deus, tentando usurpar o trono também tem seus atrativos.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Nuvem Cor de Rosa

 

Por Pachá

Uma misteriosa nuvem tóxica cor de rosa, que mata as pessoas em poucos segundos obriga a humanidade a se isolar. O filme de acordo com os produtores, foi escrito em 2017 e filmado em 2019, e ai qualquer coincidência com Covid-19 é mera semelhança.

A primeira referência que vem em mente, é Ensaio sob a Cegueira. A nuvem assim, como a cegueira, aparece repentinamente, e assim mesmo desaparece.

Geovana e Yago se conheceram na noite anterior ao fenômeno, e foram obrigados a se abrigar em um apartamento. A partir do ponto de vista dos recém conhecidos é que temos uma síntese dos efeitos do isolamento prolongado. A visão pequeno burguês dos dois personagens centrais não tem qualquer preocupação do funcionamento da própria sobrevivência, além é claro de se isolar e fazer reflexões pertinentes a um futuro emprenhado do passado. Essa narrativa abraçada pelo roteiro agrada a sociedade de consumo, pois o drama é mais profundo quando temos personagens que podem perder tudo. Uma visão do fenômeno da nuvem assassina pela ótica de quem nada teve e nada tem...


O filme foi selecionando para o festival de Sundance 2021 e tem sido bem recebido pela crítica nacional. A minha percepção é de um teatro filmado, com história intimista tentando contemplar o macro pelo micro.

A favor da narrativa tem o fato do roteiro ser pré pandemia, e agora que já experimentamos tais efeitos, é quase anacrônico interpretação de comprar a realidade com a ficção proposta pelo roteiro.

As atuações não fere nem cria maiores empatias, estão em comunhão com a visão de mundo dos personagens. A dupla Geovana e Yago criam um boa química e vivem todas as crises conjugais catalisada pelo convívio diário, ainda que imersa em manjados clichês.


terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Matrix Resurrection

 

Por Pachá

A retomada da franquia não decepcionou e ficou dentro das expectativas, trama xoxa, personagens caricatos e mais do mesmo. Bukowski disse certa vez que é melhor fazer algo idiota com estilo do que algo formidável sem estilo.

Com uma produção de 190 milhões de dólares e arrecadação mundial de 106 milhões, o fracasso de bilheteria poderia ao menos ser amenizado por uma trama mais bem elaborada, mais sombria, a exemplo do primeiro de 1999, que poderia colocar o filme na fila de filmes cult. O roteiro aposta na metalinguagem no grau máximo e merchandising dos produtos warner.

Na trama as máquinas acabam por incorporar os métodos humanos de alta produtividade, bem ao estilo, morde assopra, bate mas acaricia. 20 anos separam os eventos de Matrix 3 e ressureição. Neo volta para sua função de programador, mas agora como criador de games, e seu maior trabalho é Matrix. E ai o roteiro gasta muitas páginas dentro dessa metalinguagem fazendo referência ao primeiro filme.


As atuações estão no modo automático, nem mesmo o carismático Keanu Reeves consegue extrair muito do personagem, a química entre Trinity (Carrie-Anne Moss) e Neo não mais funciona e o motivo da ressureição trabalhado pelo roteiro é bem piegas. Uma atuação realmente chama atenção, o novo agente Smith, vivido por Jonathan Groff, consegue encarnar um bom exemplo de antagonista, ainda que o protagonista não o acompanhe.

Como filme de ação e entretenimento rápido sem muitas reflexões, Matrix 4 cumpre honrosamente sua função, ainda que as cenas de lutas agora pareçam cansativas. O desfecho é ainda mais piegas, lembrou um outro filme das Wachowski, O destino de Jupiter de 2015. O fato é que as meninas não fazem um filme bom desde 1999, e pensar que quando ainda estavam no corpo de meninos eles fizeram uma pérola, Bound 1996.